Folha de S. Paulo


Demora no atendimento pelo governo provoca protestos no Nepal

Quase uma semana após o pior terremoto no Nepal em 81 anos, a esperança de achar sobreviventes chegou ao fim, assim como a paciência das vítimas com a demora na resposta das autoridades.

A frustração explodiu em protestos na capital, Katmandu, que foram contidos pela tropa de choque da polícia militar nepalesa.

Cansadas de esperar pela assistência do governo, milhares de pessoas recorreram ao precário sistema de transporte público, ansiosas para deixar a cidade. Na rodoviária de Gongabu, noroeste da capital, a revolta com a falta de ônibus levou a confrontos com a polícia.

O estudante Sandesh Sharma, 17, era um dos mais exaltados, liderando a multidão com gritos contra o governo.

Adnan Abidi/Reuters
Vítimas de terremoto entram em confronto com policiais em Katmandu, capital do Nepal, durante protesto contra falta de ajuda das autoridades
Vítimas de terremoto entram em confronto com policiais em Katmandu, capital do Nepal, durante protesto contra falta de ajuda das autoridades

"A maioria aqui está esperando há 12 horas por um ônibus. Se é para morrer soterrado ou de fome, quero estar perto da minha família", esbravejou Sharma, que tentava chegar a Baglung, 275 km a oeste da capital. "Em Katmandu falta tudo e não temos lugar seguro para nos abrigar se houver outro terremoto."

Enquanto vítimas do tremor continuam a chegar à capital em busca de assistência médica, a polícia calcula que cerca de 340 mil pessoas já deixaram o vale de Katmandu com medo de novos tremores e surtos de epidemias.

A contagem oficial de mortos chegou a 5.045, segundo o governo. Mais de 10,1 mil ficaram feridos, dos quais 7.400 estão hospitalizados.

SOBREVIVENTES

Com o fim do prazo de 120 horas, considerado o máximo para encontrar sobreviventes em desabamentos, os esforços se voltam para a retirada de corpos dos escombros, a cremação dos mortos e a ajuda aos sobreviventes.

Para os parentes e amigos das pessoas soterradas, a esperança de revê-los com vida deu lugar à frustração por não conseguirem acesso aos corpos para as honras fúnebres.

Sentado no meio-fio, o estudante Janak Karki, 19, acompanhava o esforço de um grupo de soldados do Exército nepalês para retirar o corpo de seu pai. Damber Karki, 40, dormia em sua loja de roupas, no térreo de um hotel de cinco andares, quando o terremoto causou o desabamento do prédio, soterrando o comerciante.

Daniel Marenco/Folhapress
Corpos de vitimas do terremoto no Nepal são cremados em Katmandu
Corpos de vitimas do terremoto no Nepal são cremados em Katmandu

Foram necessárias oito horas de trabalho árduo, com auxílio de uma serra elétrica, para retirar o corpo de Damber. Embora aparentasse calma diante da situação tão extrema, Janak não escondia sua revolta com o governo.

Após o terremoto de sábado (25), o estudante saiu desesperado pela cidade em busca de ajuda, até conseguir levar uma equipe de resgate da China ao prédio. Mas os chineses constataram que o pai estava morto e desistiram de resgatar o corpo, sob o argumento de que a prioridade era salvar sobreviventes.

Os soldados nepaleses só chegaram nesta quarta (29). "Se tivessem vindo resgatá-lo no primeiro dia, talvez meu pai pudesse ter sido retirado com vida", disse Janak.

Ele também criticou o governo por não ter vetado a obra irregular realizada no hotel, que aumentou o prédio de três para cinco andares. "Provavelmente foi isso que causou o desabamento."

DESPREPARO

Rajesh Bandari, 31, primo de Janak, era menos contido. Cantor de rap de protesto, ele acusa o governo de fazer vista grossa às construções irregulares em troca de propinas.

Editoria de arte/Folhapress

"A corrupção custou milhares de mortes, mas o governo não se importa", afirmou Rajesh, usando máscara cirúrgica para se proteger de epidemias e vestido de preto da cabeça aos pés.

O governo admitiu o despreparo para lidar com a crise humanitária causada pelo terremoto de magnitude 7,8.

"O desastre foi tão grande e sem precedentes que não fomos capazes de atender à expectativa dos mais necessitados. Mas estamos dispostos a reconhecer nossa fraqueza, aprender e seguir em frente", disse Minendra Rijal, ministro das Comunicações.

A ONU pede doações e estima que serão precisos US$ 415 milhões para atender às necessidades da população nepalesa nos próximos 90 dias.

A prioridade, segundo o organismo, é fornecer abrigo, água, saneamento, alimentos e assistência médica.


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