Folha de S. Paulo


Mesmo sem recursos, Al Shabaab consegue semear o terror na África

Eles perderam seu líder, seus portos, seus postos de controle e seu território. Perderam milhares de homens e grande parte do seu dinheiro.

Não têm uma frota de veículos blindados, como a Boko Haram. Nem campos de papoula como os do Taleban. Ou campos de petróleo como o Estado Islâmico.

Daniel Berehulak/The New York Times
Tropas da Etiópia que lutam contra o Al Shabaab fazem pausa ao carregar mantimentos para Baidoa, na Somália
Tropas da Etiópia que lutam contra o Al Shabaab fazem pausa ao carregar mantimentos para Baidoa, na Somália

Um dos principais grupos terroristas do mundo, a milícia somali Al Shabaab opera com um orçamento mirrado. Mas, como demonstrou no recente ataque a uma universidade queniana, ela se tornou muito eficiente em matar muito a baixo custo.

Há dois anos pistoleiros da facção agem em todo o Quênia -num shopping, em ônibus, numa pedreira e agora numa universidade, onde quatro militantes com fuzis mataram 142 alunos.

Com alguns homens e armas ligeiras, a milícia assassinou centenas e abalou o Quênia, uma potência regional, pedra angular da estabilidade neste canto da África. "Chamo isso de emburrecimento do terrorismo", disse o pesquisador Matt Bryden, de Nairóbi.

Apesar do grande esforço militar internacional para retomar a Somália e expulsar a Al Shabaab dos seus redutos, os extremistas estão se revelando resistentes.

Eles mostraram que território não é tudo. Todas as teorias para contê-los parecem não funcionar.

Em termos militares convencionais, a Al Shabaab está perdendo. Foi erradicada de várias áreas e não é mais capaz de arrecadar milhões de dólares com a exportação de montanhas de carvão e com a importação de carros, como acontecia até poucos anos atrás.

Mesmo nas cidades somalis ainda sob seu controle, seus combatentes não estão mais seguros. São implacavelmente caçados.

Seu reverenciado líder Ahmed Abdi Godane foi morto no ano passado em um bombardeio americano, e outros agentes da Al Shabaab foram abatidos por drones.

O governo dos EUA contribuiu no custeio de uma força conjunta da União Africana destinada a estabilizar a Somália, investindo cerca de US$ 1 bilhão. Mas os ataques da Al Shabab continuam crescendo em termos de alcance e ambição, levantando a questão: o que se pode fazer para pará-los?

"Não é um jogo fácil", disse o professor norueguês Stig Jarle Hansen, que escreveu um livro sobre a Al Shabaab. "Você precisa dar segurança às aldeias somalis e acabar com a corrupção nas forças de segurança do Quênia."

A Al Shabaab já aspirou a governar a Somália. A guerrilha se alimentava da amargura de muitos somalis em relação a uma força etíope que à época ocupava o país.

Então, entre 2007 e 2010, a Al Shabaab intensificou seu controle sobre a Somália, a ponto de dominar mais território do que qualquer outra filial da Al Qaeda. Hansen descreve esse período como a "idade de ouro" da milícia.

Mas os comandantes da facção cometeram o pecado da arrogância, ao pensarem que, numa guerra, poderiam derrotar a força da União Africana, muito mais numerosa e bem armada.

Perderam centenas de combatentes em confrontos nas ruas em Mogadício, a capital, em 2010. Muitos outros desertaram. Analistas estimam que o contingente da milícia tenha caído de cerca de 7.000 para 3.000 homens.

DERROTAS

A Al Shabaab perdeu seu principal porto, Kismayo, e em seguida portos menores, como Brava. Acredita-se que os seus líderes atualmente estejam em Jilib, perto da costa sul da Somália.

Com a mudança de território, mudaram também as táticas. A Al Shabaab costumava detonar enormes carros-bombas em Mogadício, que mataram centenas de pessoas, a maioria muçulmanos.

Mas os carros-bomba são caros. Agora, seus combatentes selecionam as vítimas na mira do fuzil. Permitem que os muçulmanos sigam, e atiram nos cristãos.

Bronwyn Bruton, vice-diretor do Centro para a África do Conselho do Atlântico, de Washington, disse suspeitar de que a facção esteja "começando a jogar com as diferenças de classe".

"[O shopping] Westgate e, em menor medida, a Universidade Garissa são enclaves de privilégio num país onde os jovens, especialmente os muçulmanos, estão frustrados com a falta de oportunidades. Uma hora a Al Shabaab terá de encontrar uma maneira de se conectar com os não somalis".

Bryden não crê que seja possível destruir a facção só pelo poder de fogo. "Precisa haver uma visão política para enfrentar a Al Shabaab. Atualmente, não existe."

Tradução de RODRIGO LEITE


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