Folha de S. Paulo


Redução de tropas da ONU no Haiti pré-eleições preocupa brasileiros

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A decisão do Conselho de Segurança da ONU de reduzir em 53% o componente militar da missão que mantém no Haiti, a Minustah, tem preocupado militares brasileiros grupo que forma o maior contingente e está à frente da força de paz desde 2004.

Com um baixo efetivo militar e eleições programadas para o segundo semestre, o receio é de que a violência volte a tomar as ruas do país.

A partir de junho, o total de militares passará dos 5.021 registrados em outubro para 2.370, com tropas de quatro países. A estratégia é parte do plano da ONU de encerrar sua participação militar no país.

"Passamos de protagonistas a coadjuvantes, mas isso é natural em uma missão de paz", afirma o general brasileiro José Luiz Jaborandy Júnior, comandante militar da Minustah.

O calendário eleitoral é apertado, com os pleitos parlamentares, presidenciais e regionais marcados para agosto, setembro e dezembro.

Diante de um histórico de períodos eleitorais conturbados, a Minustah terá a missão de acompanhar, apoiar e dar suporte logístico e de segurança ao governo haitiano antes, durante e depois dos pleitos.

"A estabilidade política terá um impacto direto na segurança e considero questionável se podemos considerar o país estável", diz Jaborandy.

Editoria de Arte/Folhapress

As eleições, atrasadas em mais de três anos, foram agendadas sob pressão internacional. Desde janeiro, o presidente Michel Martelly governa por decreto, após o Parlamento ter sido dissolvido com o fim do mandato de dois terços dos senadores.

Com isso, manifestações lideradas pela oposição voltaram às ruas pedindo a renúncia de Martelly e uma nova eleição, acendendo o sinal vermelho na segurança.

O embaixador do Brasil no Haiti, José Luiz Machado e Costa, destaca a possibilidade de intimidação e violência no interior do país com a ação de cabos eleitorais. "É preciso contingente para monitorar as urnas, e o general se preocupa que vai faltar gente".

BRASILEIROS

O Brasil, que chefia militarmente a missão desde seu início, continuará tendo o maior contingente, mesmo com a redução de 1.333 para 850 homens e mulheres.

Os brasileiros, que hoje atuam nas principais áreas da capital, Porto Príncipe, vão passar a comandar todo o território sul do país região até então sob a gerência de militares do Sri Lanka, que retornam para casa, e do Peru.

Com efetivo e capacidade reduzidos e área de atuação ampliada, os brasileiros passarão a usar mais o transporte aéreo, para deslocamentos rápidos até regiões onde não existirão mais bases.

Diante do enxugamento, o novo foco de atuação do batalhão brasileiro será o fortalecimento das instituições nacionais, auxiliando na condução das eleições.

"Agora precisaremos ter uma postura de intervenção quando e onde se fizer necessário", explica Jaborandy.

A ajuda humanitária realizada pelo contingente brasileiro e usada como estratégia de aproximação da população terá que será reduzida em 75%. O cenário preocupa o coronel Francisco Humberto Montenegro, comandante do batalhão brasileiro e outros militares ouvidos pela Folha.

"Vejo a redução com preocupação. Ao longo desses dez anos, o contato que tivemos com a população fez com que ganhássemos um respeito muito grande", diz. "Isso poderia prejudicar esse grau de amizade e confiança que conseguimos com os haitianos".

Assim como para as tropas dos demais países, as patrulhas diárias dos brasileiros nas ruas serão diminuídas. A força militar passará a atuar somente depois que a Polícia Nacional Haitiana (PNH) e a Unpol (Polícia das Nações Unidas) não conseguirem controlar eventuais confrontos.

"É aquele pai que chega só para dar palmada no filho, mas nunca está no momento de carinho. Sua tarefa de educador será bem mais complicada", diz Montenegro. "Será um desafio para nós. Teremos que criar uma maneira para não perder esse contato."

Editoria de Arte/Folhapress

POLÍCIA

Para o general Jaborandy, o maior desafio militar é trabalhar com uma polícia haitiana sem capacitação e preparo para atuar. A PNH conta com 11.900 policiais, mas precisaria ter 22 mil para os 10 milhões de habitantes.

"Não tenho nenhuma garantia que, se a missão sair daqui, os baixos índices de homicídio serão mantidos", diz o comandante.

A PNH tem até o fim de 2016 para atingir a meta da ONU de 15 mil policiais. O porta-voz da instituição, Frantz Lerebours, contudo, não mostra otimismo em alcançar a meta.

"A situação de segurança está um pouco frágil, mas a capacidade econômica do país não nos permite recrutar um número maior", reconhece.

A repórter OLÍVIA FREITAS e o fotojornalista JOEL SILVA viajaram a convite do Ministério da Defesa

Vídeo: CARLOS CECCONELLO, FELIX LIMA e JOEL SILVA | Edição: GIOVANNI BELLO


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