Folha de S. Paulo


Escândalos de corrupção na política abalam imagem 'limpa' do Chile

No fim de 2014, o Chile recebeu mais uma vez a nota de país mais transparente da América Latina. Entre 175 nações, ficou em 21º lugar. O Brasil foi o 69º.

Apenas quatro meses depois, a imagem do Chile não é mais a mesma -o país enfrenta a pior crise desde o fim da ditadura, em 1990, e o motivo são escândalos de corrupção envolvendo políticos de quase todos os partidos e até o filho da presidente, Michelle Bachelet.

As investigações identificaram supostas doações ilegais a campanhas eleitorais com recursos que deveriam ser pagos em impostos por duas empresas: a mineradora SQM e o conglomerado financeiro Penta.

Mas o que está ferindo a imagem da presidente, que saiu do primeiro mandato com uma aprovação de 84%, é a acusação de tráfico de influência envolvendo seu filho Sebastián Dávalos.

Ele teria intermediado a liberação de empréstimo do Banco do Chile para a empresa de sua mulher. O crédito foi liberado um dia depois da eleição de Bachelet, em 2013, após Dávalos se reunir com o vice-presidente do banco.

Os chilenos se descobrem agora mais parecidos do que gostariam com seus vizinhos.

Martin Bernetti/AFP
Sebastián Dávalos deixa a Promotoria em Rancágua (a 80 km de Santiago), onde depôs
Sebastián Dávalos deixa a Promotoria em Rancágua (a 80 km de Santiago), onde depôs

"O Chile não tinha a visão cínica de México, Argentina e Brasil, de que a corrupção é um ato do cotidiano. Há um ano a corrupção não era um assunto das pessoas", diz Pablo Collada, da ONG Ciudadano Intelligente.

"As pessoas estão em parte surpresas, em parte irritadas e com medo de que sejam feitos pactos políticos às escondidas da sociedade".

Para tentar debelar a crise, o governo propôs uma reforma política que deverá eliminar a doação de empresas.

O projeto recebeu a bênção de todos os partidos, que parecem negociar para sair em conjunto da crise, segundo o analista Cristóbal Bellolio, da Universidade Adolfo Ibañez.

Mas teme-se que, com esse acordo, também negociem uma espécie de anistia aos que se envolveram com financiamento ilegal no passado.

"O que vai acontecer com esses políticos? Eles vão perder o foro privilegiado? Vão para a cadeia? Vão perder o mandato? É uma série de perguntas que está no ar e está colocando em jogo a institucionalidade no Chile", afirma Collada.

Na avaliação de Bellolio, qualquer sinal de impunidade aos políticos investigados seria rechaçado amplamente pela população chilena, que até agora não saiu às ruas.

De alguma maneira, porém, algo simbólico se perdeu em meio a essa crise. Viu-se que a cultura da legalidade, tão amplamente difundida no Chile, escapou até à família presidencial.

CÍRCULO PRÓXIMO

Mesmo que o filho de Bachelet não seja processado, afirma Bellolio, o dano "ético-político" é mais relevante.

"Se é verdade que o financiamento ilegal de campanhas afetou o grupo de Bachelet e poderia até chegar a ela, trata-se de uma prática tão difundida que duvido que ela teria que pagar por isso. Mas o caso de seu filho é diferente e instala um foco de suspeita em seu circulo próximo", diz Bellolio.

Depois da denúncia, Bachelet afastou o filho do governo (ele chefiava a área sócio-cultural) e afirmou desconhecer a reunião com o executivo do Banco do Chile.

"Bachelet disse aos chilenos que tomou conhecimento do caso pela imprensa. Se amanhã descobrirem que não é verdade, ela pagará o custo por mentir, mas não por corrupção", afirma Bellolio.

Na última semana, a presidente fez declarações para tentar reduzir o mal-estar provocado pela desconfiança geral que acometeu os chilenos.

"Pode ser que haja corrupção no Chile, mas ela não é generalizada. Nem todo mundo é corrupto em nosso país", disse a presidente.

Com sua popularidade no nível mais baixo desde que chegou ao poder pela primeira vez, em 2006, Bachelet terá que enfrentar o desafio de sair da crise que paralisou seu governo apenas um ano após a eleição.  


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