Folha de S. Paulo


Futuro de Cristina Kirchner afeta eleição presidencial argentina

O que será de Cristina Kirchner após as eleições de outubro deste ano, quando será conhecido o seu substituto? A pergunta, ainda sem resposta, está influenciando a atual campanha eleitoral e alimentando especulações a quatro meses do início das primárias na Argentina.

Cristina ainda não revelou qual será o candidato que pretende apoiar entre os que se apresentaram dentro do seu partido. Analistas políticos do país estão identificando nessa atitude um indício de que talvez a presidente não tenha interesse em eleger um sucessor.

"Ainda não está claro se Cristina quer ganhar a eleição", afirmou a analista política Mariel Fornoni, diretora do instituto de pesquisas Management & Fit, em evento recente com economistas e empresários.

O fundamento desse raciocínio é que Cristina está transferindo para o sucessor o trabalho de resolver profundos problemas econômicos que terão repercussão popular.

A inflação, hoje ao redor de 30% ao ano, e os subsídios, que distorceram os preços no país a ponto de uma conta de luz custar o mesmo que um ingresso de cinema em Buenos Aires, levaram a economia ao limite. Somando a restrição a importações e a impossibilidade de tomar crédito no exterior, o resultado é uma recessão que deve fazer a economia encolher em 2015 pelo segundo ano seguido.

Cristina não dá sinais de que enfrentará esses problemas até a eleição. A primeira escolha da atual presidente é mostrar se deseja liderar a oposição após deixar o poder, adotando o que já foi apelidado no meio político argentino de "estratégia Bachelet", em referência à presidente do Chile –que voltou ao poder depois de quatro anos na oposição.

"Cristina é o centro do kirchnerismo. Não há sucessão", diz o analista político Ricardo Rouvier.

As pesquisas mostram, entretanto, que há chance de a FpV (Frente para a Vitória), de Cristina, eleger um candidato. O mais bem colocado na enquete feita pela Management & Fit de março é Daniel Scioli, governador aliado da província de Buenos Aires.

Mas Cristina ainda não acenou com seu apoio a Scioli e incentiva a disputa de outros nomes dentro da FpV, como o do ministro do interior, Florencio Randazzo, que tem cartazes por toda a cidade com uma foto ao lado da presidente –Scioli, não.

O motivo, segundo analistas, é que Scioli não pode ser considerado um "kirchnerista". Seu sucesso significaria uma perda da corrente política da presidente.

"Se Scioli chega ao poder, haverá um problema. Ele vai tentar fazer o que faria qualquer político nessa situação: tomar o poder para si", prevê Rouvier. Foi assim que Néstor Kirchner rompeu com o antecessor e aliado Eduardo Duhalde em 2005, mesmo após ter recebido seu apoio nas eleições de 2003.

Nesse cenário, Cristina poderá escolher se converter na chefe do kirchnerismo, numa estrutura política de controle e supervisão de Scioli.

CRISTINA CANDIDATA?

A terceira escolha que deverá fazer Cristina é se tentará uma candidatura própria nesta eleição. Impedida de concorrer novamente à Presidência, ela tem até junho para tomar a decisão, mas não dá pistas de qual caminho irá seguir.

Cartazes apareceram na capital sugerindo que ela saísse como governadora da província de Buenos Aires, mas o mais provável, para o analista Rosendo Fraga, é que ela tente ser deputada do Parlamento do Mercosul, que também será escolhido por voto.

Isso daria à presidente foro privilegiado contra as investigações de suposta lavagem de dinheiro de sua família, sob a mira da Justiça.

"A certeza é que Cristina tentará manter seu poder político, liderando um grupo fiel de deputados e senadores", afirma Fraga, para quem o novo presidente, seja quem ele for, deverá enfrentar como principal desafio a governabilidade.

"Nenhum presidente terá maioria no novo mandato. O Congresso da Argentina, a partir de 2016, será mais parecido com o do Brasil do que com o da Venezuela", diz.


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