Folha de S. Paulo


Descendente de Leon Tolstói alia-se a Putin na defesa do nacionalismo

Numa tarde ensolarada, Vladimir Tolstói, tataraneto de Leon Tolstói e assessor do presidente Vladimir Putin para assuntos culturais, percorreu a alameda de bétulas que leva à propriedade familiar onde seu antepassado escreveu "Guerra e Paz" e "Anna Karenina". Hoje o lugar é um museu do Estado.

A cada passo, ele era cumprimentado por funcionários do museu que voltavam para casa.

"Boa tarde", dizia Tolstói com um sorriso caloroso. "Boa tarde", respondiam os funcionários. Uma mulher pediu: "Mande nossas saudações ao czar e diga que nós o respeitamos muito."

James Hill/The New York Times
Vladimir Tolstói, neto do autor de
Vladimir Tolstói, neto do autor de "Guerra e Paz", assessora Putin na área cultural

A cena de tom amistoso e feudal vista nesta propriedade a 200 quilômetros ao sul de Moscou capta um pouco do clima na Rússia, onde Putin é visto como czar, especialmente fora das grandes cidades, ainda que a intelligentsia liberal o rejeite. Ela também reflete os benefícios para Putin advindos do apoio de um membro de uma família ilustre para a promoção do orgulho nacional.

Tolstói, 52, foi contratado por Putin em 2012 e emergiu como o rosto mais conciliador, intelectualizado e aberto ao Ocidente da política cultural do Kremlin. Ele trabalha com o ministro da Cultura russo, Vladimir Medinsky, conhecido por afirmações agressivas sobre a superioridade russa e os valores conservadores do país.

Tolstói disse que se esforçou para moderar o tom de um memorando vazado no ano passado que dizia que "a Rússia não é a Europa". Mas ele é inequívoco em seu apoio à invasão e à anexação russa da Crimeia, território que muitos consideram que não deveria ter sido cedido à Ucrânia em 1954.

Falando por meio de um intérprete, disse: "Leon Tolstói foi um oficial russo que defendeu a Rússia no Quarto Bastião em Sebastopol. Para nós, essa região sempre fez parte da Rússia."

Ele aludia ao cerco de Sebastopol, em 1854-55, na Guerra da Crimeia, na qual a Rússia combateu as forças aliadas da França, do Reino Unido, da Sardenha e do Império Otomano e acabou por perder o controle da cidade.

"Como descendente do oficial russo Leon Tolstói, não posso ter outra atitude em relação a isso", disse Vladimir Tolstói.

Tolstói foi criado em uma família de classe média e se formou em jornalismo. Em 1994 foi nomeado diretor de Yasnaya Polyana, cujo ponto central é a mansão onde o romancista escreveu e que foi preservada como estava quando ele morreu, em 1910. Hoje a diretora do museu é a mulher de Tolstói, Ekaterina Tolstaia.

Tolstói disse que Putin lhe ofereceu o cargo depois de uma reunião de diretores de museus, em abril de 2012, na qual Tolstói criticou a estratégia cultural do governo. "Quando a reunião terminou, o presidente me pediu para ficar mais um pouco e me perguntou se, considerando que eu era tão crítico, eu achava que seria capaz de fazer um trabalho melhor", contou. Hoje ele assessora Putin e atua como ponte entre o Kremlin e o mundo cultural russo.

Num dia recente, ele estava atendendo a ligações de Irkutsk, na Sibéria, pedindo ajuda com os arranjos funerários do escritor Valentin Rasputin, que Tolstói disse considerar o melhor do último meio século.

Rasputin era conhecido por seus retratos vívidos da devastação ambiental provocada pela industrialização na Rússia rural e por seu conservadorismo: depois de uma performance da banda punk Pussy Riot numa igreja de Moscou, ele pediu que o grupo fosse levado à Justiça. No passado, também criticou a perestroika, a liberalização lançada por Mikhail Gorbachev antes do colapso da União Soviética.

Não faz muito tempo, a impressão de que a Rússia tinha perdido o rumo depois da queda da União Soviética era prevalecente, mas Tolstói e outros partidários de Putin conseguiram reavivar o sentimento de orgulho nacional por meio da política cultural.

Tolstói se descreveu como alguém capaz de "encontrar um ponto de equilíbrio" entre os tradicionalistas e os liberais voltados ao Ocidente. "Por um lado, a Rússia está aberta à cooperação", disse. "Por outro lado, temos nossa própria visão do bem e do mal."

O escritor Victor Erofeyev, crítico de Putin, disse que Vladimir Tolstói é "um sujeito inteligente", mas que ele reflete uma tendência crescente de enxergar a Rússia como sendo, de algum modo, mais pura que o Ocidente.

"Algumas pessoas realmente acreditam nisso", falou. "Não é como era nos tempos comunistas, no governo de Brezhnev", quando "as pessoas diziam 'amo o comunismo', mas ninguém acreditava nisso. Aqui eles jogam com a noção da Rússia de modo mais sutil. Eles dizem 'sabe, a Rússia ainda é um país de cultura grandiosa, é um país de relacionamentos humanos, amizades, amores grandes, tudo isso, e por isso somos mais interessantes que o Ocidente'."

Dezenas de visitantes chegavam a Yasnaya Polyana, onde a neve cobria o chão e o sol da tarde iluminava as bétulas. Nos livros de Leon Tolstói, disse seu tataraneto, "não existem personagens que sejam vilões completos. Todos seus personagens são pessoas reais".


Endereço da página:

Links no texto: