Folha de S. Paulo


Após pleito em Israel, palestinos veem legitimação de luta por Estado próprio

Sob a maioria das circunstâncias, o fato de um líder israelense admitir francamente que jamais concordará com a criação de um Estado palestino seria um desastre para a liderança palestina. Mas quando o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu disse exatamente isso no calor da campanha eleitoral recente, sua declaração parece ter tido o efeito oposto, validando a abordagem unilateral que os palestinos decidiram seguir.

"Vamos continuar com a intifada diplomática. Não temos outra escolha", disse Assad Abdul Rahman, membro do conselho central da Organização para a Libertação da Palestina e do comitê executivo, sua instância decisória máxima.

Alaa Badarneh - 15.mar.2015/Efe
Fazendeiro palestino toma conta de sua plantação de oliveiras em Qariuot, na Cisjordânia
Fazendeiro palestino toma conta de sua plantação de oliveiras em Qariuot, na Cisjordânia

Agora que Netanyahu deixou, pelo menos por enquanto, de fazer de conta que procura a criação do Estado palestino lado a lado com Israel, os palestinos podem argumentar perante a Europa e os Estados Unidos que não têm mais parceiro com quem negociar, fortalecendo seus argumentos em favor da criação de um Estado próprio pleno e do reconhecimento dele pelas Nações Unidas, além de sua inclusão em organismos internacionais importantes. Os palestinos já são membros do Tribunal Penal Internacional e da Unesco.

"Se alguém dissesse 'somos a favor dos dois Estados e de negociações reais', voltaríamos às negociações", falou Assad Abdul Rahman. "Mas não temos parceiro para isso."

Além de considerar a possibilidade de buscar seu reconhecimento como Estado pelas Nações Unidas, os palestinos poderão limitar sua cooperação de segurança com Israel, reduzindo a capacidade de Israel de apreender suspeitos militantes na Cisjordânia, disseram dois funcionários da OLP (Organização pela Libertação da Palestina).

Nathan Thrall, analista sênior do Programa para o Oriente Médio e África do Norte da organização International Crisis Group, comentou: "Há a sensação de que, se realmente não houver esperança para o processo de paz, a melhor coisa para os palestinos será um governo israelense que intensifique seu próprio isolamento".

O comitê executivo da OLP deve reunir-se nesta quinta-feira (19) para discutir como o presidente Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, deve reagir.

O conselho central da OLP tinha pedido a redução da coordenação de segurança ainda em 5 de março, dentro de um ciclo de retaliação entre Israel e os palestinos que se repete há vários meses. A iniciativa foi descrita como resposta ao fato de Israel, desde janeiro, estar retendo US$127 milhões por mês de impostos que recolhe em nome dos palestinos.

Essa retenção, por sua vez, foi a maneira adotada por Israel de punir os palestinos por terem ingressado no Tribunal Penal Internacional, onde esperam abrir um processo contra autoridades israelenses por crimes de guerra. Mas a decisão sobre quando ou se tomar essa medida ficou a cargo de Abbas e do comitê executivo da OLP. Abbas parecia estar aguardando até depois das eleições em Israel.

Se Abbas realmente aprovar a limitação da coordenação de segurança, é provável que adote passos pequenos que sejam reversíveis, disse Abdul Rahman. Um passo talvez fosse o de recusar-se a retirar forças palestinas quando tropas de Israel fazem operações em um área governada por palestinos, disse um funcionário da OLP que pediu anonimato para falar, já que estava comentando deliberações sigilosas.

Jonathan Nackstrand - 10.fev.2015/AFP
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, participa de conferência na Suécia
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, participa de conferência na Suécia

O funcionário disse que os palestinos estão estudando vários tratados da ONU para decidir a qual deles podem aderir. Eles estariam se debruçando sobre tratados ditos "técnicos" concentrados no turismo, na água e no meio ambiente. O funcionário não deu mais detalhes. Segundo ele, é pouco provável que os palestinos tomem a iniciativa mais ousada de solicitar sua entrada em organizações da ONU, devido às leis dos Estados Unidos que reduziriam o financiamento a organismos da ONU que aceitassem a Palestina como Estado membro.

Em nota, um porta-voz da ONU, Farhan Haq, disse na quarta-feira (18): "Cabe ao novo governo israelense, uma vez formado, criar as condições para um acordo negociado de paz final, com o engajamento ativo da comunidade internacional, que ponha fim à ocupação israelense e realize a criação de um Estado palestino viável vivendo ao lado de Israel em paz e segurança. Isso inclui o fim das construções ilegais em assentamentos judaicos nos territórios palestinos ocupados."

Respondendo a essa declaração, o embaixador de Israel nas Nações Unidas, Ron Prosor, disse: "Se a ONU está tão preocupada com o futuro do povo palestino, deveria perguntar por que o presidente Abbas está no décimo ano de um mandato presidencial de cinco anos ou por que o Hamas usa palestinos como escudos humanos".

Também é provável que os palestinos intensifiquem seu lobby para que mais países europeus reconheçam a Palestina como Estado. Mais países da Ásia, América Latina e África já o fazem. "O campo de batalha agora é a Europa", disse o funcionário da OLP.

"Sempre que vamos à Europa e perguntamos 'por que vocês não reconhecem a Palestina?', eles dizem 'vamos reconhecê-la quando isso for bom para o processo de paz'. Agora temos um premiê israelense que afirma não reconhecer um Estado palestino".

As autoridades palestinas disseram que ainda estão pesando a possibilidade de buscar um reconhecimento pleno de seu Estado pelo Conselho de Segurança da ONU. Uma tentativa anterior, em dezembro, de levar o Conselho de Segurança a adotar uma resolução que teria definido um prazo final para a criação do Estado palestino soberano, resultou em fracasso. Estados Unidos e Austrália votaram contra.

Riyadh Mansour, o embaixador palestino para as Nações Unidas, disse que faria sentido apenas se os Estados Unidos "aderissem a tal ideia", o que, na estimativa da maioria dos diplomatas, é pouco provável.

Existe também a possibilidade de que, tendo alcançado a vitória eleitoral, Netanyahu tente agora reafirmar seu apoio, mesmo que tênue, à criação do Estado palestino. No entanto, depois de ele ter declarado que "quem quer estabelecer um Estado palestino hoje e desocupar territórios estará dando ao Islã radical terras a partir das quais atacar o Estado de Israel", analistas disseram que inverter sua posição seria difícil.

"Tendo agora renegado em palavras sua posição anterior a favor da criação do Estado palestino, somando-se isso a todas as medidas concretas que ele implementou que enfraqueceram a credibilidade dessa posição, Netanyahu teria que percorrer uma distância muito longa para reverter tudo isso", opinou Daniel Levy, diretor do programa para o Oriente Médio do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

Tradução de CLARA ALLAIN


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