Folha de S. Paulo


Presidente do Paraguai celebra estabilidade e economia do país

"Quer saber por que aqui eu me sinto em casa? Veja só o que eu trouxe."

Falando bom português, o presidente paraguaio, Horacio Cartes, 58, se desvencilhou dos seis funcionários da secretaria de comunicação que monitoravam a entrevista concedida à Folha e levou a reportagem para os fundos da austera residência oficial da Presidência -cujo nome em guarani (Mburuvichá Roga) significa "casa do chefe".

"Veja", disse, enquanto abria uma porta que dava para um jardim interno, onde era possível ver aves de cores variadas, "essa é a minha coleção particular de araras", completou, orgulhoso. Pelo jardim, também passeavam avestruzes e soldados armados.

Um dos homens mais ricos do Paraguai, dono de mais de 25 empresas (de tabaco, bebidas e carne) e de um dos principais bancos do país (o Amambay), Cartes não se interessava por política até 2008, ano em que tirou seu primeiro título de eleitor -mesmo o voto sendo obrigatório no país.

Quando decidiu concorrer à Presidência, teve de convencer o partido Colorado, ao qual havia se filiado, que o deixasse se candidatar à Presidência mesmo sem cumprir a regra de ser militante por ao menos dez anos.

Cartes dizia, à época, que a fama de corrupção impregnada no partido não o atingiria, porque ele já era um homem muito rico e, por isso, não teria necessidade ou vontade de roubar.

A oposição tentou derrota-lo, trazendo do passado acusações feitas a ele por evasão de divisas, lavagem de dinheiro, contrabando e narcotráfico.

"Mas a propaganda dele foi avassaladora, era a campanha mais rica, não havia acusação que vencesse. Ele vendeu muito bem a ideia de que salvaria o país por meio da eficiência aplicada em suas empresas", diz à Folha o jornalista e biógrafo do presidente, Chiqui Ávalos.

As passagens, de fato, não descolam de sua biografia, e chamaram a atenção da mídia estrangeira na época. Entre elas estão suas duas prisões, nos anos 80, por evasão de divisas. Em 2011, telegramas do governo dos EUA divulgados pelo WikiLeaks indicavam Cartes como centro de um esquema de narcotráfico e lavagem de dinheiro na Tríplice Fronteira. O presidente sempre negou as acusações.

Mais recentemente, a empresa de cigarros do presidente, a Tabesa, vem sendo acusada, em alguns países da América Latina (Brasil, México e Colômbia) de contrabando de cigarros.

"Eu já não decido nada na Tabesa. Sou apenas acionista", limita-se a dizer o presidente. "Se essas acusações fossem verdadeiras, haveria mais denúncias na Justiça. Onde estão?", pergunta.

Eduardo Knapp/Folhapress
Horacio Cartes durante entrevista à Folha na residência oficial da Presidência do Paraguai
Horacio Cartes durante entrevista à Folha na residência oficial da Presidência do Paraguai

PARTIDO COLORADO

Questionado sobre por que preferiu o partido Colorado, apesar de criticar alguns de seus procedimentos, Cartes disse: "Estou convencido de que partidos convencionais são importantes. Quando não há partidos tradicionais, surgem grupos de gente e, então, pode ganhar qualquer um."

O presidente não deixa, porém, de apontar o que considera errado no partido. "Ficaram 61 anos no poder [incluindo a ditadura de 35 anos], é muito tempo, e caíram em vícios, em clientelismo e em maus costumes."

Entrando agora em seu segundo ano de mandato, Cartes celebra a reestabilização política, após o impeachment de Fernando Lugo, em 2012, e os bons números macroeconômicos do país (projeção de crescimento do PIB para este ano de 4,3%, inflação em 4,2% e desemprego em queda, 5,2%).

"Um dos acertos é a nossa política monetária. Nossa moeda, o guarani, é a mesma desde 1943. Temos tido acesso a créditos no exterior, e gostaríamos de chamar mais investidores. Vieram empresas do Japão, da Coreia, da Alemanha, por que não vêm mais do Brasil?".

A administração de Cartes, porém, segue falhando no combate à pobreza (23% da população), com a indigência ainda na casa dos dois dígitos (10,1%).

O Paraguai é um dos países com a menor taxa de arrecadação da região, e a economia informal responde por 42% do PIB. E a falta de políticas contra o contrabando drena recursos que o governo poderia investir em saúde e educação.

"O Paraguai não possui justificativa para ter pobreza. Somos poucos habitantes para uma superfície grande, não chegamos a 7 milhões, e temos muita riqueza e terra cultivável. Minha gestão reduziu a pobreza extrema de 18% a 10,1%. Mas não estou satisfeito. Todos somos responsáveis por essa situação, porque demos as costas a essa população. Hoje peço desculpas, porque pertenço a um partido que governou tanto tempo e não acabou com o problema."

MERCOSUL

Cartes tem críticas ao modo como o Mercosul funciona e sente-se diferente aos outros presidentes, principalmente nas reuniões da cúpula.

"Deveríamos estar falando de outros assuntos. O Mercosul foi concebido como bloco econômico, mas os temas tratados nas reuniões não são os que eu preferiria. Deveríamos estar falando de banco comum, de construir estradas, de logística. Deveríamos discutir mais metas realizáveis e menos política e ideologias."

Cartes exemplifica com casos relacionados ao Brasil.

"Sei dos problemas pelos quais passam os portos de Paranaguá e Santos. Se o Estado do Paraná, que tem seis vezes o PIB do Paraguai, quer exportar sua produção agrícola para a China, qual é o caminho mais curto? Pelo Pacífico! Por que não passar pelo Paraguai?"

O presidente diz ser um fã da Aliança do Pacífico [que reúne Colômbia, México, Chile e Peru].

"Gostaria que fizéssemos no Mercosul o que eles fazem, estão mais bem integrados, é uma aliança mais comercial. Também creio na aproximação de ambos os blocos. Hoje há cada vez mais mercados, e se nos ajudamos do ponto de vista logístico, é melhor para todos. Interessa ao Brasil um irmão pobre? Interessa para a Argentina?".

VENEZUELA

Na posse do presidente boliviano, Evo Morales, em janeiro, Cartes tirou fotos sorridente ao lado do venezuelano Nicolás Maduro.

Pelo relato do presidente paraguaio, não se falou do episódio da expulsão do Paraguai do bloco logo após o impeachment de Fernando Lugo nem da integração da Venezuela pouco depois.

"A Venezuela foi o país que entrou quando o Paraguai saiu. Mas eu quero olhar para a frente, e acho que é possível conviver. A única razão pela qual não tiro mais fotos com o Maduro é porque ele é muito mais alto do que eu". (risos)

O mandatário paraguaio adota, porém, um comportamento cauteloso ao tratar da atual situação de crise política e econômica do novo sócio.

"É um país do qual importávamos petróleo, e hoje eu sofro ao saber que lhes faltam alimentos. Gostaria de poder ajudar, mesmo reconhecendo que pensamos a política de outra maneira."

PAÍS-EMPRESA

Quando assumiu o cargo, Cartes chamou vários de seus funcionários das empresas da família para integrar ministérios e postos-chave do governo, causando estranhamento entre lideranças veteranas do Partido Colorado.

Editoria de arte/Folhapress

Cartes afirma, porém, que considera mais eficiente governar o país trazendo experiência de gestão na iniciativa privada.

Conta, porém, que num primeiro momento foi difícil se adaptar ao "timing" mais lento da tomada de decisões na esfera pública.

"Numa empresa, a gente toma a decisão e faz. Aqui, não. Entre aprovar uma ideia, um crédito, e realmente executá-lo, vai um tempão, de análise, de burocracia. Isso me desmotiva. Gosto da eficiência do livre mercado, porque sei que, quando uma coisa está cara, o outro simplesmente não compra."

REELEIÇÃO

Apesar de membros do próprio partido estarem discutindo no Congresso a possibilidade de alterar a Constituição para permitir a reeleição de Cartes, o presidente não adianta se tem essa pretensão.

"Tenho um compromisso neste mandato, para o qual fui eleito e o qual quero honrar. Sei que há conversas sobre mudar a Constituição. Mas o depois, se vier, virá depois."


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