Folha de S. Paulo


Após dois anos no Vaticano, papa encara sua primeira encruzilhada

Ao completar nesta sexta (13) dois anos como papa, o argentino Jorge Bergoglio está na primeira grande encruzilhada de seu pontificado.

A decisão de assumir o nome de Francisco e propor "uma igreja pobre para os pobres" revitalizou a Igreja Católica e encantou tanto fiéis quanto não religiosos. Mas ainda não está claro se essa lufada de ar fresco deixará algum legado duradouro.

Mestre em cunhar frases de efeito que correram o mundo -como o célebre "Quem sou eu para julgar?", a respeito dos gays-, Francisco acabou escorregando aos olhos do público laico nos últimos meses -sugerindo, por exemplo, que os ataques contra a revista francesa "Charlie Hebdo" eram compreensíveis, ainda que não justificáveis.

"Se alguém diz um palavrão a respeito da minha mãe, vai acabar levando um soco. Não se pode insultar a fé dos outros", declarou.

As dúvidas sobre o "milagre Francisco", como diz o vaticanista americano John Allen Jr., não têm a ver apenas com essas derrapadas de relações públicas, porém.

Apesar de alguns avanços, o programa de reformas da burocracia do Vaticano e a "tolerância zero" diante de casos de abuso sexual de menores praticado por sacerdotes ainda parece caminhar a passos lentos.

Esses dois pontos estavam entre as principais preocupações dos cardeais que elegeram Francisco.

Os próximos meses devem ser cruciais, tanto para os planos de sanear as finanças tradicionalmente obscuras da Santa Sé, quanto para enfrentar a questão do abuso sexual.

Francisco deu mais credibilidade ao comitê criado para enfrentar o problema ao conseguir que duas antigas vítimas de padres pedófilos participassem do grupo. Mas esses membros já anunciaram que só continuam na comissão caso o papa estabeleça como norma a punição dos bispos que foram omissos, o que ainda não aconteceu.

REFORMISTA?

Nos últimos meses, Francisco reforçou, em pronunciamentos, sua oposição ao casamento gay e aos métodos anticoncepcionais artificiais -temas que, em entrevistas no início do pontificado, ele havia classificado como não prioritários, uma vez que todos conhecem a doutrina católica.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

"Ao longo do pontificado, ele vai percebendo que essa comunicação não é tão simples", diz Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

"Para ele, inicialmente, bastaria dizer que continuava fiel ao ensinamento da igreja e daí se lançar ao diálogo com o mundo laico. Só que isso trouxe o risco de chocar e confundir uma parcela considerável de fiéis conservadores."

Essa tensão entre a ousadia do papa e seu desejo de manter a igreja unida promete ficar mais clara em outubro, quando ocorre a segunda etapa do sínodo (reunião geral dos bispos) sobre a família. O encontro pode fazer recomendações ao papa, que tem liberdade para adotá-las ou não.

A primeira etapa, em outubro de 2014, foi marcada por um incomum debate franco entre bispos que defendiam a possibilidade de comunhão para fiéis divorciados (hoje impossível) e também mais abertura para católicos gays e os prelados contrários a mudanças.

Para Moisés Sbardelotto, especialista em mídia e religião da Unisinos (RS), o importante é que o sínodo representa uma descentralização considerável das discussões dentro da hierarquia católica. "Francisco mudou a maneira de mudar a igreja", diz.

"O que vai acontecer no sínodo é uma incógnita. Mas o papa, mesmo deixando aberto o diálogo, deve se posicionar caso haja extrema polarização", diz Rodrigo Coppe Caldeira, historiador do catolicismo da PUC-MG.

"A última palavra é dele."

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

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