Folha de S. Paulo


Ressentimento une neonazistas e radicais islâmicos

Nascido e criado na zona oeste de Londres, Ibrahim Ahmed torcia pelo time de futebol local e ouvia o que descreve como "música branca". Mas, na escola, Ahmed era visto como "o muçulmano", e ele passou a sentir ressentimento crescente contra a sociedade britânica. Quando recrutadores o abordaram numa mesquita, 18 anos atrás, e lhe disseram que ele poderia travar uma guerra santa em casa, ele concordou prontamente.

Na Suécia, Robert Orell lia "Mein Kampf" (Minha Luta), de Adolf Hitler, e se preparava para travar sua própria guerra. Os imigrantes que o tinham submetido a bullying no colégio estavam, a seu ver, fazendo o mesmo com sua cultura, enquanto políticos liberais ficavam passivos. Ele sonhava em invadir o Parlamento com uma arma obtida de um amigo neonazista.

As ideologias que moviam Ahmed e Orell não poderiam ser mais diferentes. No entanto, quando se tira a ideologia do quadro, o que emerge são duas histórias semelhantes de radicalização, militância e, no caso deles, desradicalização.

Pieter Ten Hoopen/The New York Times
Robert Orell administra a Exit, organização que ajuda neonazistas a abandonarem a violência
Robert Orell administra a Exit, organização que ajuda neonazistas a abandonarem a violência

Ambos tinham ressentimentos que enfraqueciam sua autoestima e provocavam sua ira. Ambos se deixaram seduzir por uma narrativa que os colocava no centro de uma causa maior e lhes oferecia aquilo que eles mais desejavam: o sentimento de pertencer a algo e um plano para agir com base em seus ressentimentos.

Os dois acabaram se distanciando da violência, dissuadidos não pela polícia ou por suas famílias, mas por antigos extremistas como eles.

Os paralelos são instrutivos, no momento em que a Europa procura se recuperar de dois ataques mortíferos em dois meses, ambos cometidos em nome do islã. A ideologia religiosa exerce papel central na radicalização de jovens muçulmanos europeus atraídos para ingressar no Estado Islâmico (EI) ou para matar em nome da facção em seus próprios países de origem. Mas o processo psicológico subjacente à radicalização é universal, segundo especialistas em terrorismo.

"Ficamos tão fascinados pela ideologia que deixamos de perceber que jihadistas e neonazistas têm muito em comum", disse John Horgan, autor de "The Psychology of Terrorism" e diretor do Centro de Estudos de Terrorismo e Segurança, na Universidade do Massachusetts em Lowell. "Os modos como eles se engajam, se envolvem e se desengajam excedem de longe as diferenças."

A longa e complicada história europeia de extremismo da direita e de outras variedades de militância, desde o marxismo violento até o Exército Republicano Irlandês, faz do continente um laboratório fértil para os esforços de contraterrorismo e desradicalização.

Hoje o sucesso de recrutamento de milícias como o EI é visto como a ameaça mais grave. Mas décadas de pesquisa, infiltração e combate a outros movimentos oferecem lições úteis de como combater o fenômeno não somente pela intensificação da segurança.

Para analistas, os ex-extremistas têm papel importantíssimo na apresentação de argumentos contrários às tentações radicais. Eles possuem a credibilidade que falta aos governos.

"Apenas os ex-militantes podem afirmar: 'A Síria não é um videogame; você pode acabar lavando privadas ou fazendo babysitting na linha de frente.'", disse Amy Thornton, do Departamento de Criminologia e Ciência da Segurança do University College London.

Tom Jamieson/The New York Times
Ibrahim Ahmed, que fez parte de um grupo radical, defende que islã e violência são incompatíveis
Ibrahim Ahmed, que fez parte de um grupo radical, defende que islã e violência são incompatíveis

Especialistas dizem que os esforços para entrar em contato com jovens que são alvos de recrutamento são mais eficazes quando existe alternativas palpáveis à violência.

Robert Orell, que hoje tem 34 anos, entrou para um grupo de torcedores de futebol hooligans com vínculos neonazistas e acabou aderindo ao próprio neonazismo. "A raça era minha religião", comentou. "Eu estava travando uma guerra santa."

A guerra santa foi o que foi proposto a Ibrahim Ahmed numa mesquita da zona sul de Londres, em 1997. Quando ele entrou para uma gangue muçulmana, foi para se defender de garotos que o perseguiam, mas também para se vingar.

Com o tempo, tanto ele quanto Orell começaram a sentir dúvidas. Quando um grupo de neonazistas foi preso por ligação com o assassinato de dois policiais suecos, Orell ficou chocado. Ele começou a conversar com um antigo militante neonazista. "Era bom conversar com alguém sem ser julgado", comentou. "Eu ainda era tão radical quanto antes, mas estava começando a ficar desiludido."

O amigo o levou à organização Exit, que oferece apoio a fanáticos de extrema-direita que saem do movimento. Muitos assistentes sociais da Exit também são antigos extremistas. Eles ouviam Orell, jogavam futebol com ele e, aos poucos, "foram demolindo minha visão de mundo preto e branco".

No Reino Unido, Ahmed nunca tinha prestado atenção quando sua família lhe dizia que o islã e a violência eram incompatíveis. Mas, quando um pregador salafista que no passado tinha participado de violência de gangues lhe disse o mesmo, em 1999, ele lhe deu ouvidos. "O pregador disse que tinha as mesmas queixas que eu, mas que a violência não era o jeito certo de buscar resolvê-las", disse Ahmed, que pediu para usar o nome Ibrahim para não comprometer seu acesso aos jovens radicais a quem dá assistência. "Ele falou 'eu entendo, já passei por isso'."

É essa a mensagem que Ahmed procura transmitir a adolescentes, como um garoto de 16 anos que sente a tentação de viajar à Síria. "Não o julgo", disse Ahmed, explicando que, se tivesse 16 anos hoje, talvez ele próprio se sentisse tentado a ir à Síria.

Tanto ele quanto Orell, que hoje comanda a Exit, dizem que o trabalho de contraterrorismo está mais difícil. Com a internet, os militantes têm acesso direto a adolescentes. A cultura do videogame glorifica a violência extrema. E os movimentos radicais estão ficando hábeis em fazer sua própria divulgação.

Ahmed tenta canalizar a insatisfação para outras saídas, que não sejam a violência. "Pergunto: 'Quando foi a última vez que você escreveu ao deputado em quem votou? Já tentou escrever ao jornal local?'."


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