Folha de S. Paulo


Ascensão de político árabe moderado abala política de Israel

Um político árabe carismático que discute em tom confiante com rivais judeus na televisão e quer formar uma ampla "aliança dos marginalizados" formada por árabes e judeus emergiu como uma das maiores surpresas da campanha eleitoral israelense.

O advogado Ayman Odeh, 40, lidera a Lista Conjunta, aliança recém-formada entre quatro partidos pequenos cuja base de apoio é principalmente árabe. Ele acredita que a união inusitada possa aumentar em muito a presença de eleitores árabes nas urnas e a influência árabe no Parlamento de Israel, transformando a política nacional.

Seu estilo inclusivo de liderança também revela uma nova confiança entre os árabes mais jovens, menos conflitados que seus pais e avós em relação ao lugar que ocupam em Israel, dizem analistas.

Odeh surgiu no cenário nacional com grande destaque na semana passada, num debate de televisão na campanha para as eleições parlamentares de 17 de março.

O ultranacionalista chanceler Avigdor Lieberman tentou repetidas vezes provocar Odeh, o único árabe presente à mesa, alegando que os políticos árabes "representam grupos terroristas" que procuram destruir Israel a partir do interior do país e tachando-o de "quinta coluna".

Odeh ignorou a isca. Sorrindo, observou que sua aliança está bem adiante da facção de Lieberman nas pesquisas, segundo as quais ela pode emergir como o terceiro maior grupo no Parlamento.

Debatendo em hebraico fluente, embora com sotaque, Odeh disse que tem raízes profundas na região e ressaltou casualmente seus laços com a Terra Santa, citando uma frase do Livro dos Provérbios do Velho Testamento: "Aquele que cava uma fossa (para outros) cairá nela".

Foi também uma farpa lançada contra Lieberman, que no ano passado promoveu uma legislação para dificultar a entrada de novos políticos no Parlamento -iniciativa que políticos árabes suspeitam que tivesse por objetivo impedir seus partidos pequenos de terem representação parlamentar.

Mas a medida parece ter tido efeito inverso ao desejado, tendo levado o Partido árabe-judaico Hadash, de Odeh, e três outros partidos árabes a se unirem, formando algo que pode ser maior que a soma de suas partes.

A aliança eletrizou os eleitores árabes; as pesquisas indicam que o comparecimento deles às urnas pode ser vários pontos percentuais superior ao que foi em 2013, quando apenas 56% dos eleitores árabes foram votar, um índice dez pontos inferior à média nacional.

De acordo com as pesquisas, a Lista Conjunta pode ganhar 13 cadeiras no dividido Knesset, que tem 120 membros, ficando em terceiro lugar, depois da União Sionista, de centro-esquerda, e do direitista Partido Likud, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Odeh disse que sua meta é conseguir 15 cadeiras.

Se a Lista Conjunta tiver resultados fortes, Netanyahu pode ter mais dificuldade em formar uma coalizão governista -e afastar Netanyahu é uma das metas principais de Odeh. Ele diz, contudo, que a Lista Conjunta tampouco participaria formalmente de uma coalizão com a União Sionista, liderada pelos dois principais rivais de Netanyahu, Isaac Herzog e Tzipi Livni.

"A agenda de qualquer governo será uma agenda sionista. Ela levará adiante a ocupação e os assentamentos", disse Odeh à Associated Press. "Não podemos fazer parte de um governo desse tipo."

De fato, nenhum partido árabe jamais esteve formalmente presente em uma coalizão israelense, embora os partidos árabes tenham sido cruciais no passado para respaldar governos de centro-esquerda. Desta vez, com um bloco possivelmente maior no Parlamento, o apoio tácito dos árabes seria especialmente crucial para que a centro-esquerda pudesse afastar Netanyahu.

Por enquanto, Odeh espera que a Lista Conjunta possa liderar a oposição parlamentar e que seus legisladores possam exigir participar de comitês importantes.

Principalmente, o que Odeh quer é formar uma "aliança dos setores em desvantagem", abrangendo árabes e judeus. Ele disse que as discussões sobre a natureza de Israel -Estado judaico ou Estado de todos seus cidadãos-não reconhecem a existência de uma divisão que seria mais importante, entre ricos e pobres. "Este é um Estado dos magnatas contra todos os pobres do país", ele disse.

No debate da televisão, Odeh exortou Arieh Deri, líder do partido ultra-ortodoxo judeu Shas, a juntar-se a seu grupo na discussão de problemas que interessam a ambos.

Os partidários do Shas, muitos deles pessoas de baixa renda, geralmente seguem uma linha dura contrária à criação de um Estado palestino, mas Odeh argumentou que essas diferenças de posição não deveriam impedir a formação de alianças para fins específicos. Deri declarou que está aberto à ideia.

Esse pragmatismo agrada a muitos eleitores árabes, aparentemente mais preocupados em conquistar direitos iguais em Israel que em ver um Estado palestino criado no território vizinho.

Os cidadãos árabes de Israel, que compõem mais ou menos 20% dos 8,2 milhões de habitantes do país, são descendentes dos palestinos que permaneceram em suas casas durante a guerra da criação de Israel, em 1948, quando muitos outros fugiram ou foram expulsos.

Eles conservam vínculos com os palestinos da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém oriental, terras capturadas por Israel em 1967, e se identificam fortemente com o sonho de criar um Estado palestino nesses território.

Mas as preocupações domésticas muitas vezes são mais prementes. Os árabes em Israel se queixam de ser vítimas de discriminação oficial de longa data.

"Queremos que a Lista Conjunta trabalhe com todos nossos problemas e represente nossas questões no Knesset", disse a enfermeira Dina Mahameed, 32 anos, da cidade de Umm al-Fahm, citando melhores oportunidades de trabalho como uma de suas prioridades.

Criada em janeiro, a Lista Conjunta montou uma plataforma compartilhada, apesar das divergências profundas existentes entre socialistas, nacionalistas palestinos e islâmicos tradicionais em questões como o papel das mulheres e da religião na sociedade.

O Hadash, de Odeh, é um partido socialista veterano em Israel que ressalta a cooperação entre árabes e judeus.

Odeh cresceu em uma família muçulmana, mas se descreve como alguém que transcendeu as limitações estreitas da etnia e da religião, que ainda têm presença tão grande na região. Único aluno muçulmano de uma escola cristã, observou com orgulho que tirou nota A em estudos do Novo Testamento nos exames do último ano do colégio.

Aos 23 anos ele foi eleito para o conselho municipal da cidade portuária árabe-judaica de Haifa. Em 2006 tornou-se secretário-geral do Hadash.

Numa reunião com ativistas judeus do Hadash, esta semana, ele tentou acalmar os receios de que a nova aliança possa diluir os princípios do partido, como a igualdade entre homens e mulheres.

Avraham Burg, ex-presidente do Parlamento e membro do Partido Trabalhista, de centro-esquerda, que este ano endossou o Hadash, disse que num primeiro momento viu a Lista Conjunta com ceticismo, mas agora está reservando julgamento, com base em garantias que Odeh lhe deu.

Danny Danon, membro sênior do Likud, de Netanyahu, aguarda para ver as políticas que a Lista Conjunta vai promover.

Ele destacou que um dos líderes da Lista Conjunta é Haneen Zaabi, que já manifestou compreensão pelos militantes palestinos que no ano passado sequestraram e assassinaram três teens israelenses. Suas declarações provocaram o ultraje de muitos israelenses. Se Odeh seguir "o caminho de Zaabi, vamos combater sua plataforma", disse Danon.

Burg disse que a Lista Conjunta tem o potencial de transformar a política israelense, desde que não se fragmente após as eleições. Ele previu: "Assistiremos ao surgimento de uma nova paisagem de todo o campo democrático em Israel, uma em que os árabes israelenses não serão mais excluídos como párias."

Tradução de CLARA ALLAIN


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