Folha de S. Paulo


'Presidente no exílio' da Guiné Equatorial cobra Brasil

Estupefata, a oposição de Guiné Equatorial assistiu ao Carnaval carioca de seu exílio em Madri. Os relatos de que a escola vencedora recebera R$ 10 milhões de patrocínio da ditadura do país africano incomodaram.

"Não acho que o ditador Teodoro Obiang investiria esse dinheiro apenas por seu ego", diz à Folha Severo Moto, que se considera presidente do governo em exílio. A Beija-Flor homenageou a Guiné no desfile. "Pode ser lavagem de dinheiro", diz ele.

Beatriz Velardiez - 14.ago.2012/Efe
Severo Moto, em 2012; opositor da Guiné Equatorial pensa que ditador lavou dinheiro com desfile
Severo Moto, em 2012; opositor da Guiné Equatorial pensa que ditador lavou dinheiro com desfile

A oposição da Guiné Equatorial espera, agora, que o Brasil investigue o ocorrido. "Se tivéssemos um Judiciário independente, faríamos a investigação. Mas não temos."

O incômodo de ver uma homenagem ao país que deixou após perseguição política somou-se ao contraste entre a quantia investida no desfile e a pobreza que corrói a Guiné Equatorial, com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) na posição 144 entre 187 países.

"O governo subtraiu um dinheiro do povo e usou para uma diversão que não tem nenhuma relação com a sociedade de Guiné", diz Moto.

EXÍLIO

Os principais nomes da oposição vivem, hoje, nos entornos de Madri.

Após um curto período de abertura política, durante o qual puderam estar em seu país natal, tiveram de voltar à Espanha. Os laços entre os territórios se dão pela colonização espanhola, que durou até 1968.

Em 2003, Moto estabeleceu o governo no exílio que ele hoje lidera. Sua "Presidência" é composta de dez ministros. Há reuniões semanais para estabelecer programas a um possível futuro sem o ditador Obiang.

Esse dia pode chegar sem aviso, diz Moto. Mas a oposição afirma que, para evitar um levante popular e uma transição violenta, espera que Obiang entregue o poder e concorde com uma saída pacífica ao impasse.

GABINETE

"Elaboramos projetos de futuro que vamos corrigindo enquanto o país vai abaixo", diz Armengol Engonga, vice-presidente do governo no exílio. Também faz parte do trabalho desse governo paralelo estabelecer contato com organizações internacionais.

Não há, no entanto, relações diplomáticas ou um reconhecimento oficial. A oposição teve ainda uma relação difícil com o governo da Espanha e foi acusada, em 2004, de planejar um golpe.

"Pedimos cada vez mais que a comunidade internacional dialogue conosco para que a mudança de governo não seja traumática", diz Engonga. "Gostaríamos que o Brasil se opusesse à ditadura de Obiang."

Segundo Engonga, o grupo de opositores exilados planeja para Guiné Equatorial um futuro "com a cara do Brasil". "Temos semelhanças na geografia. Podemos ter essa cultura de desenvolvimento."

PROGRAMA

Engenheiro agrícola, Engonga se anima para discutir seus planos para uma Guiné Equatorial sem ditadura.

O opositor diz, por exemplo, que planeja desenvolver a periferia antes do centro, para evitar bolsões de pobreza. Quer investir em povoados, na infraestrutura e na habitação, assim que for escrita a Constituição e forem realizadas as eleições.

Aos 64 anos, e na Espanha desde 1966, Engonga é casado com uma mulher espanhola e tem três filhos no país.

Mas diz que está pronto para deixar o conforto no dia em que a ditadura de Obiang se encerrar. Quer mudar-se e construir o país que deixou.


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