Folha de S. Paulo


Apesar de crítico, documentário sobre poluição escapa de censura na China

Um emotivo documentário sobre a poluição do ar na China voltou a colocar no centro do debate público um dos problemas que mais afligem a maior população do mundo.

Produzido pela jornalista Chai Jing, famosa por seu trabalho na TV estatal, o filme "Sob a redoma" virou sucesso instantâneo logo após a divulgação, no sábado (28). Em 36 horas, teve cem milhões de acessos em diversas plataformas da internet.

Como apresentadora do canal CCTV, Jing estava habituada a apresentar reportagens sobre os problemas ambientais da China. Mas, quando engravidou e descobriu que sua filha iria nascer com um tumor benigno, no ano passado, o assunto virou pessoal. Ela largou o trabalho que a transformara numa celebridade e passou um ano investigando as causas da poluição no país.

O resultado é um impactante filme de 103 minutos, que mistura reportagem investigativa e depoimento pessoal. Apesar de fazer críticas ao governo, o vídeo não foi barrado pela pesada censura oficial e chegou a ser exibido no site do "Diário do Povo", jornal do Partido Comunista Chinês. Também recebeu elogios do ministro do Meio Ambiente.

"Antes eu nunca havia sentido medo da poluição e nunca usava máscara", conta Chai, 39, diante de uma pequena plateia. "Mas quando você carrega uma vida dentro de si, o que ela respira, come e bebe é sua responsabilidade, e então você começa a sentir medo."

O vídeo lembra o filme de 2006 do ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, "Uma Verdade Inconveniente", em que ele alerta para os efeitos do aquecimento global. Mas o documentário da jornalista chinesa é de certa forma mais pungente, pela carga emocional e o tom pessoal.

Apesar dos esforços do governo chinês para combater os altos níveis de poluição, com forte pressão sobre os governos das províncias mais poluidoras, o resultado tem sido modesto.

Em 2014, somente oito cidades do país atingiram os níveis de qualidade do ar estabelecidos, entre 74 monitoradas pelo governo. Ainda assim foi melhor que em 2013, quando apenas três alcançaram a meta.

"Metade dos dias de 2014 eu tive de confinar minha filha em casa como uma prisioneira por causa da má qualidade do ar em Pequim", diz Chai no documentário. "Um dia ela me perguntará: Por que você me prende aqui? O que me fará tão mal quando eu sair?'"

Um estudo recente do Instituto Health Effects, em Boston (EUA), estimou que a poluição do ar, especialmente a alta concentração de partículas finas, mais maléficas para a saúde, causam 1,2 milhão de mortes precoces na China.

No ano passado, o premiê chinês, Li Keqiang, declarou guerra à poluição, num recado claro às províncias de que o desempenho econômico já não pode ser a única meta do país.

No ranking de 2014, sete das dez cidades mais poluídas estavam na província de Hebei, que cerca a capital do país, com níveis muito acima do máximo recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Segundo a imprensa local, mais de 18 mil fábricas poluidoras foram fechadas somente em Hebei desde o começo de 2013. Outro sinal positivo é que o consumo de carvão, uma das principais causas da poluição, caiu pela primeira vez em 14 anos.

O documentário da jornalista chinesa desatou uma acalorada discussão na internet. Alguns a acusaram de hipocrisia, citando reportagens afirmando que o tumor de sua filha nada tinha a ver com a poluição. Mas a maioria manifestou apoio, elogiando a iniciativa.


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