Folha de S. Paulo


Presidente do Equador recorre à Justiça para barrar cartuns e 'memes'

A queda do preço do petróleo, a economia desacelerando e a popularidade em descenso não tiram o sono do presidente do Equador, Rafael Correa, 51. O que o tem deixado realmente furioso são cartuns de jornais e "memes" em redes sociais.

Entre as vítimas mais recentes do líder equatoriano estão um usuário do Twitter de 18 anos, uma página de Facebook que publica fotomontagens com sua imagem (Crudo Ecuador) e o veterano cartunista Xavier Bonilla, o Bonil.

Por decisão da Supercom (Superintendência de Informação e Comunicação), na noite de sexta-feira (13), o "El Universo", diário onde Bonil trabalha, foi obrigado a publicar, por sete dias seguidos, um pedido de desculpas no local da sua charge.

"Correa debilitou muito os grandes jornais. Por um lado, estrangulou-os, retirando publicidade oficial e pressionando anunciantes. Por outro, ameaça-os com processos que terminam em multas milionárias. Estamos numa nova etapa, mais agressiva com a liberdade de expressão. Ele veio para cima do humor e do conteúdo das redes", disse o cartunista em entrevista à Folha, por telefone, de Quito.

Bonil foi a primeira vítima da recém-implementada Lei de Comunicação, que, entre outras coisas, inclui a opinião e a sátira entre os gêneros passíveis de controle por um novo órgão, a Supercom.

Em 2014, o cartunista foi condenado a alterar uma charge que expunha uma operação de busca realizada pela polícia na casa de um jornalista crítico ao governo. O jornal "El Universo" teve de pagar multa de US$ 100 mil.

Agora, Bonil voltou a ser advertido por um cartum no qual satirizou o deputado governista Tín Delgado. Correa o acusa de ser racista, porque o parlamentar é negro.

"É um golpe muito baixo. Minha piada não menciona a cor da pele, não é o assunto do desenho, e sim as razões pelas quais ficou rico", defende-se Bonil. O presidente afirmou, pelo Twitter, que Bonil é um "pistoleiro da tinta".

Na saída da audiência de sexta, apoiadores do chargista exibiam faixas com a frase "Yo soy Bonil" (Eu sou Bonil), em referência ao slogan "Je suis Charlie", que surgiu em homenagem aos cartunistas do francês "Charlie Hebdo" mortos por extremistas islâmicos em janeiro.

Para o cartunista, o que Correa vem fazendo constitui um abuso. "Ele é o presidente e conta com os canais de televisão, que são estatais ou alinhados a ele, e com a Justiça. Usa aparato e dinheiro públicos para atacar e constranger cidadãos."

Bonil chama a atenção para o caso de Juan Arturo Caicedo Rovira, 18, a quem Correa identificou, em pronunciamento em cadeia nacional, como autor de tuítes que o ameaçavam.

Na sequência, criou no Twitter o perfil @SomosMasEC e convocou seus apoiadores a um ciberataque. "Para cada tuíte ofensivo contra mim, mandaremos 10 mil em resposta", esbravejou o presidente, que no mesmo programa costuma rasgar exemplares de jornal. Assustado, Caicedo apagou sua conta.

"Já eu não vou me calar, não posso. Sou cartunista há 30 anos, é o que faço. Mas vejo jornais já temerosos de passar por outros processos para defender conteúdos publicados em suas páginas. As multas são muito altas e podem fazer com que seus negócios quebrem", diz Bonil.

O "El Universo" já foi condenado a pagar US$ 40 milhões por causa de um artigo opinativo que chamava Correa de "ditador". O autor do texto, Emilio Palacio, pediu asilo político nos EUA e não pode voltar ao Equador.

"Não penso em fazer o mesmo, nem penso em me censurar. Só saio daqui de férias", diz Bonil, recentemente indicado ao prêmio Index on Censorship Freedom of Expression.

ATAQUE AO MEME

Outro na mira do presidente é o internauta anônimo por trás da página Crudo Ecuador, célebre por um meme (conteúdo que se espalha rapidamente na internet) que mostra Correa fazendo compras num shopping holandês.

Na foto, o presidente aparece sorrindo e segurando uma sacola de compras. O meme ironizava o fato de Correa aparecer gastando dinheiro logo após anunciar que 2015 seria um ano de ajustes.

Em seu programa, "Enlace Ciudadano", o presidente respondeu dizendo que as sacolas não continham compras, e sim estavam cheias de "artesanato equatoriano", que ele levava para dar de presente a parentes na Europa (sua mulher é belga).

Sua resposta provocou uma nova onda de tuítes satíricos. Correa ainda acrescentou que só entrou no shopping porque sentia frio: "Foi apenas pela calefação".

"Sou conhecido, e eles sabem que não vou parar. Mas esses garotos do Crudo Ecuador e de outros grupos estão assustadíssimos. Imagine ligar a TV e ver o presidente te atacando com nome e sobrenome. O importante é responder de forma contundente, criativa e divertida. Enquanto eu puder, seguirei fazendo isso", afirma Bonil.

A campanha de Correa contra internautas foi tema, na semana passada, do comediante britânico John Oliver, que lançou por sua vez outra campanha no Twitter, pedindo que os espectadores escrevessem ao presidente equatoriano zombando dele.

"Pare de dar Google em seu nome, Correa! Você é um presidente!", concluiu.


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