Folha de S. Paulo


Dar armas não é a solução para a Ucrânia, diz ministro alemão

A Alemanha tem ciência de que, se as negociações de paz para a Ucrânia falharem, o conflito "subirá de patamar". Ainda assim, o país não cogita uma solução militar. A posição é do ministro alemão de Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier.

Em entrevista por e-mail à Folha, Steinmeier, 59, diz também que Berlim avaliará uma proposta da Grécia de renegociação do pacto de austeridade fiscal desde que "respeite os compromissos existentes".

O ministro chega nesta sexta-feira (13) ao Brasil.

Ele conversará com seu homólogo, o chanceler Mauro Vieira, sobre a "situação difícil na Venezuela" e o acordo Cuba-EUA, entre outros assuntos.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

David Gannon/AFP
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, antes de reunião em Berlim
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, antes de reunião em Berlim

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Folha - O diálogo promovido em Minsk por Alemanha e França para a paz entre Ucrânia e Rússia é a última chance de resolver o conflito ucraniano pacificamente? Se a iniciativa fracassar, o governo alemão considera dar armas aos soldados de Kiev?

Frank-Walter Steinmeier- Para nós se trata de encontrar um desfecho pacífico para a crise na Ucrânia. Quase todos os dias estão morrendo pessoas, a paz e a segurança em toda a Europa estão em jogo. Estamos vivendo dias decisivos. A Alemanha e a França estão trabalhando com afinco, com o apoio de todos os parceiros na União Europeia, com vistas a iniciar um processo político que ainda permita pôr em prática os acordos de Minsk.

Para isso, as partes em conflito, juntamente com a França e a Alemanha, se encontraram ao mais alto nível em Minsk e hoje [quarta-feira, 11] os chefes de Estado e de Governo europeus estão discutindo em Bruxelas sobre quais os passos seguintes [as respostas foram enviadas à Folha antes do início da reunião de Minsk].

A força da Europa resulta de sua coesão, a qual devemos preservar. Todos sabem que, se os esforços atuais não tiverem êxito, o conflito subirá para um próximo patamar. Não pode nem deve haver solução militar para o conflito. Por essa razão, somos muito céticos quanto ao fornecimento de armas [a Kiev].

Mykola Lazarenko/Ukrainian Presidential Press Service/Reuters
Líderes da Rússia, da Alemanha, da França e da Ucrânia debatem acordo de paz em Minsk
Líderes da Rússia, da França, da Alemanha e da Ucrânia debatem acordo de paz em Minsk

A Alemanha está tentando retomar um papel-chave na diplomacia global, apesar de pesquisas mostrarem que os alemães não apoiam um maior engajamento do país?

Na Alemanha está sendo conduzido um debate amplo sobre o papel da Alemanha no mundo. Não se trata de um debate meramente teórico. Pelo contrário, o mundo em nosso redor parece ter saído dos eixos, estamos procurando uma nova ordem global. Vemos isso todos os dias, desde o leste da Ucrânia, passando pelo Iraque e pela Síria até à África ocidental.

Por ser um país economicamente forte e politicamente estável, a Alemanha não pode se limitar a comentar os acontecimentos a partir da linha lateral.

Ao mesmo tempo, devemos também nos perguntar com franqueza: o que podemos fazer, quais são os limites? A posição de muitos alemães é exigente, defendendo a contenção em relação a meios militares, por um lado, mas nutrindo grandes expectativas sobre iniciativas alemãs humanitárias e diplomáticas, por outro.

Este engajamento pode ser estendido ao ponto de colocar tropas alemãs em solo em alguma zona de conflito se outros aliados ocidentais o fizerem -como, por exemplo, para derrotar o Estado Islâmico?

Não vejo tropas alemãs se envolvendo em missões de combate no Oriente Médio. E nesse momento também não vejo ninguém que estivesse disposto a enviar seus soldados para uma tal missão em que não é claro onde o mandato termina e quem, entre as centenas de grupos militantes existentes, é amigo e quem é inimigo.

Por princípio, qualquer operação militar deve ser bem refletida. Decisivo para o êxito da luta contra o Estado Islâmico será encontrarmos também um caminho para uma solução política capaz de criar um novo fundamento para a coexistência dos diferentes grupos populacionais da região. Por último, mas não menos importante, precisamos retirar do extremismo islâmico suas bases ideológicas.

A chegada ao poder do esquerdista Syriza mudou a forma como a Grécia vê o pacto de austeridade com a União Europeia. A Alemanha pode considerar a proposta grega de renegociar sua dívida? Há risco real de Atenas deixar a zona do euro?

A Grécia está solidamente enraizada no seio da União Europeia e queremos que continue ocupando esse lugar. Não há dúvida de que o nosso objetivo é reforçar e manter a zona do euro unida com todos seus membros.

A Alemanha tem consciência da cota de responsabilidade que lhe cabe no esforço para levar o projeto de integração europeia a bom porto. É claro que nós, como democratas, respeitamos a nova maioria no Parlamento grego.

Não defendemos apenas orçamentos sustentáveis mas também o crescimento, os investimentos e a capacidade de inovação. Se nossos parceiros gregos apresentarem uma proposta realista que respeite os compromissos existentes e que, ao mesmo tempo, indique novos caminhos para tornar as necessárias reformas mais justas e socialmente mais equilibradas, é evidente que iremos analisar essas propostas com seriedade.

A ascensão do movimento alemão anti-islã Pegida deflagrou um debate sobre islamofobia na Europa, associado aos ataques terroristas ocorridos em Paris. Qual é a melhor estratégia para lidar com esse problema, ou seja, evitar que manifestações islamofóbicas levem a uma resposta violenta de extremistas muçulmanos?

Na Alemanha, a maioria da população vê com muita preocupação os protestos dirigidos contra o islã ou os refugiados [muçulmanos na Alemanha]. O Pegida e grupos afins não representam nosso país.

A Alemanha continua sendo um país aberto ao mundo, são muitos os alemães que se engajam voluntariamente em seus locais de residência e que não fecham os olhos quando milhões de pessoas são forçadas a fugirem de seus países.

O governo alemão participa com toda a determinação na luta contra o terrorismo jihadista. Ainda recentemente foi aprovada uma alteração no Código Penal, introduzindo medidas mais restritivas. Mas ao mesmo tempo continuamos promovendo o diálogo com os muitos muçulmanos pacíficos e bem integrados no nosso país, pessoas a quem os recentes assassinatos deixaram tão assustadas quanto a nós.

Robert Michael - 12 jan. 2015/AFP Photo
Simpatizantes do Pegida durante protesto que reuniu 25 mil em Dresden, na Alemanha, em janeiro
Simpatizantes do Pegida durante protesto que reuniu 25 mil em Dresden, na Alemanha, em janeiro

Qual é o objetivo concreto da sua visita ao Brasil?

O Brasil, como maior país da América do Sul, tem uma voz importante que é escutada com atenção, e não apenas nessa região. É o único país da América Latina com o qual a Alemanha mantém uma parceria estratégica.

Estamos unidos não só por laços culturais, mas também por nossos valores. A extraordinária hospitalidade dos brasileiros voltou a ser testemunhada por muitos alemães no ano passado durante a maravilhosa Copa do Mundo. Tudo isso constitui um bom fundamento para minha visita. Aguardo com expectativa uma ampla troca de impressões com meu novo homólogo brasileiro, Mauro Vieira.

É do interesse de ambos nossos países contribuir para uma concepção responsável da globalização. Neste momento, desde a Ucrânia até à Nigéria, estamos vendo o mundo sendo sacudido por violência e por inúmeros conflitos.

Restabelecer a ordem e a paz nessa situação inquietante é uma tarefa de âmbito global.

Por isso, gostaria de comparar, juntamente com nossos parceiros brasileiros, nossas visões sobre as crises internacionais.

Quais são os caminhos ao nosso dispor para influirmos em conjunto sobre a Rússia, como podemos apoiar os nossos parceiros na África na luta contra a organização terrorista Boko Haram -tudo isso são exemplos de questões concretas a debater.

Mas, para mim, é importante conhecer também a opinião dos meus interlocutores brasileiros sobre a situação difícil na Venezuela e também sobre os históricos desenvolvimentos das relações entre os EUA e Cuba.

Junto com o senhor, um grande grupo de diretores de empresas alemãs faz parte da comitiva. Sua visita vai além de política, portanto?

Certo, é grande o interesse do mundo empresarial alemão em me acompanhar nessa visita ao Brasil. Representantes de alto nível de empresas alemãs de renome irão se encontrar com empresários e responsáveis pela política econômica brasileiros. Estamos visitando o Brasil num momento em que a queda dos preços e a demanda de matérias primas estão redefinindo o espaço de ação dos decisores políticos.

Nossa visita serve para mostrar que a Alemanha e o mundo empresarial alemão são parceiros confiáveis, também em tempos mais difíceis, e que estão prontos para continuar lançando em conjunto pontes sobre o Atlântico através de uma cooperação reforçada, nomeadamente nas áreas da ciência, da pesquisa e da inovação.

Há uma crítica de ambientalistas aqui e na Alemanha sobre o debate da renovação do acordo bilateral de cooperação nuclear, vigente desde 1975. A Alemanha está interessada em renová-lo por mais cinco anos? Há razões estratégicas para o governo alemão não pôr fim a essa parceria específica?

A Alemanha e o Brasil desde há muitos anos que cooperam de forma muito próxima no tema da energia com todas suas facetas. Atualmente, nosso enfoque incide sobre a promoção de energias renováveis e na economia de energia. A Alemanha apoia o Brasil nesses domínios, tanto disponibilizando consultoria técnica como em questões de financiamento.

Ao mesmo tempo é meu entendimento que nenhum dos lados sente necessidade em pôr termo à cooperação em questões relacionadas à utilização pacífica da energia nuclear, que abrange aspectos importantes como o aprimoramento da segurança de usinas nucleares e a não proliferação, bem como a eliminação de resíduos e a proteção contra radiações.


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