Folha de S. Paulo


Relatório dos EUA aumenta suspeita sobre financiamento saudita no 11/9

Uma seção ainda sigilosa do relatório dos comitês de inteligência do Congresso norte-americano sobre os ataques do 11 de setembro de 2001 assumiu proporções quase míticas nos últimos 13 anos –as 28 páginas que examinam apoio crucial aos atacantes e que, de acordo com todos os relatos, implicam sauditas proeminentes no financiamento ao terrorismo.

Agora, novas imputações feitas por Zacarias Moussaoui, antigo membro da Al Qaeda condenado por terrorismo, de que ele mantinha contato de alto nível com funcionários do governo saudita no prelúdio ao 11 de setembro trouxeram atenção renovada às constatações do inquérito que foram mantidas em sigilo, e que legisladores e parentes de vítimas dos ataques tentaram sem sucesso liberar para divulgação.

"Creio que isso seja a coisa certa a fazer", disse o deputado Stephen Lynch, democrata de Massachusetts e autor de uma resolução bipartidária que encoraja o presidente Obama a liberar a seção para consulta pública. "Vamos revelar tudo".

Lynch e seus aliados contam com a adesão do antigo senador Bob Graham, da Flórida, que liderou o inquérito, em sua condição de presidente do Comitê de Inteligência do Senado. Ele apelou pela liberação da Parte 4 do relatório, que trata da Arábia Saudita, desde que o presidente George W. Bush impôs sigilo quanto à seção quando o relatório foi divulgado, em dezembro de 2002.

Graham vem afirmando repetidamente que a seção demonstra que a Arábia Saudita foi cúmplice nos ataques do 11 de setembro. "As 28 páginas se relacionam primariamente a quem financiou o 11 de setembro, e apontam fortemente para a Arábia Saudita como principal financiador", disse Graham no mês passado, pressionando pela liberação das páginas.

Parentes de pessoas mortas no 11 de setembro, bem como queixosos em um processo federal contra a Arábia Saudita, também exigiram que as páginas sejam divulgadas, vendo-as como elo vital que acreditam conecte um importante aliado dos Estados Unidos aos mortíferos ataques. Eles dizem que as páginas também podem ajudar a determinar fontes atuais de financiamento a atividades terroristas.

"Se detivermos o financiamento do terrorismo e responsabilizarmos essas pessoas pelos seus atos, isso bloquearia o financiamento do terrorismo hoje?", perguntou William Doyle, cujo filho, Joseph, foi morto no World Trade Center.

Doyle disse que Obama garantiu pessoalmente a ele, depois da morte de Osama bin Laden, de que liberaria o acesso àquela seção do relatório.

Os proponentes da liberação da Seção 4, intitulada "Constatações, discussões e narrativa de certas questões de segurança nacional", sugeriram que os governos Bush e Obama retiveram o texto por medo de alienar um parceiro econômico e militar influente e não por considerações de segurança nacional.

Outras pessoas familiarizadas com aquela seção do relatório dizem que embora ela possa implicar a Arábia Saudita, as pistas de investigação e as outras constatações que ela oferece não resistem a um escrutínio mais atento.

Philip Zelikow, diretor executivo da comissão nacional que investigou os ataques do 11 de setembro depois do trabalho dos painéis do Congresso, disse que a comissão estudou as alegações, usando algumas das pessoas que as haviam escrito inicialmente, mas chegou a uma conclusão diferente.

"A Arábia Saudita por muito tempo foi considerada a fonte primária de verbas para a Al Qaeda, mas não encontramos provas de que o governo saudita, como instituição, ou funcionários sauditas importantes, individualmente, tenham financiado a organização", a comissão afirmou em seu relatório de julho de 2004.

Mas o texto apontou para "a probabilidade de que organizações de caridade com patrocínio significativo do governo saudita tenham desviado fundos significativos para a Al Qaeda".

O governo saudita afirmou que defende a divulgação das 28 páginas do relatório, porque tornaria mais fácil refutar imputações que define como infundadas. A embaixada saudita declarou na quarta-feira que a posição do país continuava a mesma.

O deputado Walter Jones, republicano da Carolina do Norte, que também pressiona pela divulgação da Parte 4, afirma que as declarações de Moussaoui podem acelerar os esforços de cancelamento do sigilo. Ele disse que foi abordado quarta-feira, no plenário da Câmara, por legisladores que queriam saber como ver as 28 páginas que estão ao dispor dos comitês de inteligência.

Mas parecia haver pouco apetite pela liberação do documento entre os líderes republicanos dos comitês de inteligência.

O senador Richard Burr, republicano da Carolina do Norte, que preside o Comitê de Inteligência do Senado, se declarou cético quanto ao valor de liberar as páginas, definindo-as mais como documento histórico sobre a luta contra o terrorismo, que mudou muito desde 2002.

"Pode ter havido um nível de participação da parte de algum país muçulmano que não seria comensurável com a situação atual", ele disse.

O deputado Devin Nunes, republicano da Califórnia e presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, disse que "o presidente Obama tem autoridade para liberar o documento".

Funcionários da Casa Branca dizem que o governo está avaliando se as 28 páginas devem ser divulgadas, mas que não há cronograma para a liberação.

"Este governo, em resposta a um pedido do Congresso, no ano passado solicitou aos serviços de inteligência que conduzissem uma revisão sobre a classificação de sigilo desse material", disse Edward Price, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional norte-americano.

"Nós o fizemos de acordo com o procedimento padrão para determinar se a informação sigilosa pode ser divulgada publicamente sem ameaçar a segurança nacional. O processo continua".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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