Folha de S. Paulo


Milícia xiita toma palácio presidencial e ataca casa de presidente do Iêmen

Milicianos do grupo xiita houthi atacaram nesta terça-feira (20) o complexo do palácio presidencial e a casa do presidente iemenita, Abdo Rabu Mansur Hadi, em duas ações simultâneas em Sanaa, capital do país.

No palácio, os enfrentamentos chegaram ao interior das instalações e os milicianos conseguiram tomar controle do complexo.

Os combates iniciaram depois que os membros da milícia tentaram estabelecer novas zonas de controle na capital.

Simultaneamente, membros das milícias houthis também atacaram a casa do presidente do país, Abdo Rabu Mansur Hadi.

Segundo a ministra da Informação, Nadia al-Sakak, os rebeldes lançaram ofensivas à residência a partir de edifícios que a rodeiam.

Os enfrentamentos, que se iniciaram na segunda, já deixaram 35 mortos e 94 feridos, segundo a AFP. Dentre os mortos estão quatro civis. Várias embaixadas no país foram fechadas, inclusive a da França.

As duas partes tinham chegado a um cessar-fogo, rompido hoje pelos houthis.

A onda de violência na capital –a mais forte nos últimos quatro meses– se deve à recusa dos houthis a um novo projeto de Constituição que, dividindo o país em seis zonas, lhes privaria de acesso ao mar.

Os houthis, originários do norte do país, há meses tentam estender sua influência no Iêmen e tomaram controle de uma grande parte de Sanaa em 21 de setembro.

NAÇÕES UNIDAS

O Secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, condenou os enfrentamentos entre os combatentes houthi e os soldados da guarda presidencial em Sanaa e pediu que as partes encerrem as hostilidades.

"O Secretário-Geral está profundamente preocupado sobre a situação delicada no Iêmen", disse o porta-voz de Ban Ki-moon, Stephane Dujarric nesta terça-feira (20).

Dujarric afirmou que o enviado especial da ONU para o Iêmen, Jamal Benomar, que estava no Qatar, está retornando ao Iêmen.

O Conselho de Segurança da ONU se reuniu a portas fechadas nesta terça para discutir a crise no Iêmen e condenou o ataque do grupo Houti em Sanaa.

AMEAÇA DE VIOLÊNCIA

O líder dos houthis, Abdel-Malek al-Houthi, afirmou em um pronunciamento em canal televisivo do grupo que a violência dos enfrentamentos pode escalar ainda mais caso presidente iemenita não acelere a implementação de um acordo de paz mediado pela ONU.

Tal acordo conferiria mais poder político para o grupo xiita e abriria o caminho para a formação de uma comissão responsável por escrever uma nova constituição para o país.

Durante seu pronunciamento, Houthi também desafiou o Conselho de Segurança da ONU. "Qualquer medida tomada para forçar o país a sucumbir [...] não vai beneficiar vocês", afirmou o líder do grupo xiita.

Mohammed Huwais/AFP
Iemenita assiste a pronunciamento de líder do grupo xiita Houthi, que atacou o palácio presidencial.
Iemenita assiste a pronunciamento de líder do grupo xiita Houthi, que atacou o palácio presidencial.

IÊMEN, ESTADO INSTÁVEL

O Iêmen, país mais pobre do Oriente Médio, vive instabilidade política e, sob esse contexto, fica também atraente para células terroristas.

A Al Qaeda, por exemplo, tem no país seu bastião. Os autores do recente atentado ao jornal francês "Charlie Hebdo", Chérif e Said Kouachi, alegaram pertencer ao braço da organização na região, a Al Qaeda na Península Arábica (Aqap).

Eles teriam recebido treinamento militar em terras iemenitas. O líder da Aqap, o americano-iemenita Anwar al-Awlaki, foi um dos responsáveis pela radicalização dos irmãos.

O Iêmen só existe em suas fronteiras atuais desde 1990, com a unificação da República Iemenita Árabe (conhecida coloquialmente como Iêmen do Norte) e da República Democrática Popular do Iêmen (conhecida como Iêmen do Sul). Seguiu-se uma batalha política complexa entre grupos apoiados por setores financeiramente fortes, os militares, potências tribais e islâmicos, e o presidente iemenita do norte Ali Abdullah Saleh emergiu dela para liderar o novo país.

Na esteira das revoltas árabes que começaram em várias partes do Oriente Médio em 2010, explodiram choques violentos em torno da corrupção que cresceu durante os 22 anos de governo de Saleh. Este acabou abrindo mão de sua autoridade, num acordo mediado pelos EUA e os países do Golfo.

A situação de desgoverno no sul do país ajudou a deixar al-Awlaki, cidadão americano, fora do alcance das autoridades dos EUA e iemenitas, até que ele foi morto por um ataque de drone em 2011.

O caos no sul do país é intensificado pelo fato de que forças iemenitas terem passado uma década combatendo os rebeldes Houthi no norte, um grupo cujo nome vem do líder de uma seita xiita Zaidi que quis arrancar o controle das mãos da maioria sunita.

Quando manifestantes saíram às ruas em 2011, os Houthis e a Al Qaeda, sunita, iniciaram uma guerra entre eles e o governo, matando centenas de combatentes e civis em tiroteios, ataques à bomba e batalhas militares.

Tanto o ex-presidente Saleh, xiita Saidi, e seu sucessor, Abdo Rabu Mansur Hadi, foram acusados de orquestrar a rebelião para ganho político próprio. Em setembro de 2014, os rebeldes Houthi tinham tomado a capital, Sanaa e Haddi viu-se obrigado a assinar um tratado de partilha de poder.


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