Folha de S. Paulo


Promotor argentino que denunciou governo é encontrado morto

O promotor argentino Alberto Nisman, que denunciou a presidente Cristina Kirchner por suposto encobrimento do Irã em um atentado contra um centro de convivência de judeus em 1994, foi encontrado morto em sua casa em Buenos Aires com um tiro na cabeça.

Nisman, promotor da ação pelo atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), foi achado morto no banheiro de seu apartamento do bairro portenho de Porto Madero, com um tiro na cabeça.

O corpo foi descoberto apenas algumas horas antes do horário previsto para seu comparecimento ao Congresso argentino, onde detalharia a denúncia que atinge Cristina e vários de seus colaboradores por um aparente encobrimento dos supostos autores do atentado contra a Amia, que causou 85 mortos e mais de 300 feridos em 1994.

Marcos Brindicci/Reuters
O promotor argentino Alberto Nisman
O promotor argentino Alberto Nisman

A deputada opositora Patricia Bullrich, uma das primeiras a chegar à casa de Nisman após a morte, disse para a imprensa que o promotor contou que havia sido ameaçado e que inclusive tinha transmitido sua preocupação à Procuradoria Geral para que reforçassem sua segurança.

"Um promotor morto antes de fazer um relatório ao Congresso em uma causa onde há terrorismo internacional me parece de uma enorme gravidade", disse Bullrich.

Numa entrevista ao jornal argentino "Clarín" no dia em que apresentou as denúncias, o próprio Nisman havia afirmado que "poderia sair morto".

Além disso, sabia que as especulações sobre ele seriam pesadas. "Desde hoje [ dia da denúncia] minha vida mudou. É minha função como promotor e tive que dizer à minha filha que ela iria escutar coisas terríveis da minha pessoa", disse em outra entrevista, à rede TN.

A deputada kirchnerista Diana Conri ironizou a declaração à época. "Dizemos à filha de Nisman que fique tranquila. Não vamos agredir seu pai", afirmou.

Claudio Fanchi/Xinhua
Corpo de Alberto Nisman levado do edifício onde morava em Puerto Madero
Corpo de Alberto Nisman levado do edifício onde morava em Puerto Madero

PROMOTORIA PEDE PRUDÊNCIA

O Ministério da Segurança da Argentina divulgou comunicado nesta segunda-feira (19) informando que o corpo de Nisman foi encontrado no domingo.

Segundo as autoridades, ele tinha dez agentes de polícia como seguranças particulares e foram eles que, à tarde, alertaram sua secretária de que o promotor não atendia suas chamadas telefônicas.

Constatando-se que ele tampouco respondia à campainha e que o jornal de domingo ainda se encontrava à sua porta, decidiram então notificar seus familiares, informa o comunicado.

A mãe de Nisman foi levada até o local e constatou que a porta estava trancada por dentro.

Com a ajuda de um chaveiro, conseguiram entrar no apartamento e a mãe, acompanhada de um dos guarda-costas, encontrou o corpo do filho no banheiro. Foi encontrada uma arma calibre.22 e uma cápsula.

Apesar dos indícios de que foi um suicídio, a promotora A promotora Vivian Fein, que investiga o caso, pediu "prudência". "Estamos investigando, temos que ter muita cautela", afirmou, se recusando a dizer se a polícia trabalha com a hipótese de que ele tenha se matado.

Fein ainda informou que Nisman não deixou uma carta e que agora espera provas técnicas, como a autópsia.

O corpo foi retirado ainda durante a madrugada, mas o prédio continua isolado pela polícia.

David Fernández/Efe
A promotora Viaiana Fein, que investiga o caso
A promotora Viaiana Fein, que investiga o caso

DENÚNCIA POLÍTICA

Alberto Nisman tinha se tornado o centro da atenção política nos últimos dias após denunciar a presidente e vários de seus colaboradores, entre eles o chanceler, Héctor Timerman, pelos delitos de "encobrimento agravado, descumprimento de dever de funcionário público e estorvo do ato funcional".

Editoria de Arte/Folhapress
PROMOTOR É ENCONTRADO MORTO Morte de Alberto Nisman é novo episódio em investigação controversa de atentado na Argentina
PROMOTOR É ENCONTRADO MORTO Morte de Alberto Nisman é novo episódio em investigação controversa de atentado na Argentina

A denúncia atinge também o deputado governista Andrés Larroque, os militantes Luis D'Elia e Fernando Esteche, pessoal da secretaria de Inteligência da Presidência argentina, o ex-promotor federal e ex-juiz de instrução Héctor Yrimia e o referente comunitário iraniano Jorge "Yussuf" Khalil.

Nisman usou como provas gravações de conversas telefônicas entre as autoridades iranianas e agentes de inteligência e mediadores argentinos que, segundo ele, demonstrariam que a Argentina assinou um acordo com o Irã que implicaria no encobrimento dos suspeitos do atentado contra a Amia em troca do impulsionamento do comércio bilateral entre os países –notadamente a troca de petróleo por grãos–, num contexto de crise energética no país sul-americano.

A oposição esperava conhecer nesta segunda-feira (19) novos detalhes durante o pronunciamento de Nisman no Congresso, enquanto o governo apressou-se a fechar fileiras em defesa de Cristina Kirchner, e acusou o promotor de mentir e de se deixar arrastar por conflitos internos na Secretaria de Inteligência.

Claudio Fanchi/Xinhua
Polícia em frente a edifício onde Alberto Nisman foi encontrado morto em Buenos Aires
Polícia em frente a edifício onde Alberto Nisman foi encontrado morto em Buenos Aires

O ATAQUE

O atentado contra a Amia causou 85 mortos e 300 feridos no dia 18 de julho de 1994, dois anos depois que uma bomba explodiu em frente à embaixada de Israel em Buenos Aires causando 29 vítimas fatais.

A investigação e a comunidade judaica atribuem ao Irã e à organização Hezbollah o planejamento e execução de ambos os atentados.

Enrique Marcarian - 18.jul.94/Reuters
Equipe de resgate trabalha sobre escombros do prédio destruído no atentado, em 1994
Equipe de resgate trabalha sobre escombros do prédio destruído no atentado, em 1994

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