Folha de S. Paulo


França se despede dos cartunistas do 'Charlie Hebdo'

Paris se despediu nesta quinta-feira (15) de Wolinski e Tignous, dois dos chargistas mais importantes do "Charlie Hebdo", em meio ao clima de forte apoio popular ao jornal satírico, cuja primeira edição depois dos ataques se esgotou em questão de minutos nas bancas na quarta (14).

Após o enterro na quarta de Cabu, o pai do conceito "beauf" (estereótipo do francês conservador de classe média), Wolinski foi cremado nesta quinta no famoso cemitério de Père-Lachaise.

Tignous foi enterrado no mesmo cemitério parisiense, depois de uma cerimônia na prefeitura de Montreuil, uma localidade a leste da capital.

Yoan Valat/Efe
Caixão com o corpo do cartunista Tignous é visto em Montreuil depois de seu funeral em Paris
Caixão com o corpo do cartunista Tignous é visto em Montreuil depois de seu funeral em Paris

Na sexta será realizada uma homenagem ao desenhista Charb, diretor do "Charlie Hebdo", em Pontoise, perto de Paris, e ele será enterrado em uma cerimônia íntima no cemitério da cidade.

O formidável espírito de solidariedade em relação ao semanário, uma semana depois do massacre na Redação, seguia vivo nesta quinta.

O novo número publicado na quarta pelos sobreviventes, com uma charge de Maomé na capa, continuava sendo comercializado nesta quinta e, antes das 7h, muitas bancas já haviam vendido todos os seus exemplares.

A tiragem total do novo número será de 5 milhões.

Também foram encomendados 130.000 exemplares do exterior, que chegarão a partir desta quinta a 30 países.

Graças a doações de toda parte, às receitas das vendas e às ajudas prometidas pelo governo, o semanário deve receber mais de 10 milhões de euros.

O que significa um seguro de vida para vários anos e uma nova chance para esta pequena publicação que estava à beira da falência.

"'O Charlie Hebdo' estava ameaçado havia tempos pela falta de leitores, e hoje reviveu. É possível assassinar homens e mulheres, mas nunca é possível matar suas ideias, pelo contrário", disse na quarta o presidente François Hollande.

TENSÃO NO MUNDO MUÇULMANO

O enorme êxito do "Charlie Hebdo" nas bancas beneficiou seus pares, a também o jornal satírico "Le Canard Enchainé", onde Cabu publicava seus desenhos havia 30 anos, e o jornal "Libération", que acolheu em sua sede os sobreviventes do massacre.

O "Canard Enchainé" publicou na quarta quase 1 milhão de exemplares, o dobro do habitual.

Em um discurso no Instituto do Mundo Árabe em Paris, Hollande declarou nesta quinta que os muçulmanos são "as primeiras vítimas do fanatismo e da intolerância", após os ataques sofridos por essa comunidade na França há uma semana.

No exterior, a charge de Maomé continua provocando tensão nos países muçulmanos, mas as críticas até agora foram moderadas.

O Al Azhar, principal autoridade do Islã sunita, com base no Egito, convocou os muçulmanos a ignorar essa "frivolidade odiosa".

Na Turquia, a Justiça proibiu a divulgação pela internet da charge do profeta publicada na capa do "Charlie Hebdo" que, no entanto, foi reproduzida pelo jornal "Cumhuriyet", adversário do regime islâmico-conservador do presidente Recep Tayyip Erdogan.

Foi o único jornal de um país muçulmano que ousou publicar em papel a polêmica caricatura.

O primeiro-ministro turco, Ahmed Davutoglu, declarou nesta quinta que "a publicação da charge é uma grave provocação" e que "a liberdade de imprensa não significa liberdade de insultar".

Davutoglu foi além e acusou seu colega israelense, Binyamin Netanyahu, de ter cometido em Gaza crimes contra a humanidade comparáveis aos dos terroristas islamitas que deixaram 17 mortos na semana passada em Paris.

Os dois líderes participaram da grande marcha de repúdio aos atentados, realizada no último domingo na capital francesa.

Do Afeganistão, integrantes do Taleban condenaram a publicação da charge e felicitaram os irmãos Said e Chérif Kouachi, autores do massacre no "Charlie Hebdo", por terem feito "justiça com os autores desses atos obscenos".

Dois países se posicionaram oficialmente contra o jornal: o Senegal, que proibiu a difusão do "Charlie Hebdo" e do jornal "Libération", e o Irã, que classificou a capa de insultante, embora também tenha condenado o terrorismo.

Os parlamentares paquistaneses denunciaram de forma unânime a publicação da nova charge do profeta.

O Paquistão, o segundo país muçulmano mais populoso do mundo, com 200 milhões, chegou a condenar o ataque contra o semanário, mas nos últimos dias o tom mudou.

Houve uma manifestação em Peshawar (noroeste) em homenagem aos irmãos Kouachi.

O ataque que deixou 12 mortos foi reivindicado na quarta pela Al Qaeda no Iêmen, que disse que a ação teve por objetivo vingar Maomé.

Na França, as lideranças muçulmanas convocaram os imãs a transmitir em sua pregação de sexta "a essência da mensagem corânica e seus valores universais e humanistas".


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