Folha de S. Paulo


'A questão não é o islã, é a Europa', diz sociólogo francês

A questão urgente, nesses dias críticos em Paris, não é o islã. Para o sociólogo francês Raphael Liogier, diretor de um observatório de religião e professor de estudos políticos em Aix-en-Provence, o problema é a Europa.

"O desafio real não são os muçulmanos. É o fato de estarmos em uma sociedade em que existe um orgulho narcisista de quem era o centro do mundo e perdeu a influência. Isso levou a debates de identidade na Europa."

"Essas pessoas se dizem os 'franceses reais', os 'alemães reais', os 'italianos reais' e se sentem ameaçados pelo islã. 'Multicultural' virou uma palavra ruim."

O debate de identidade e a atitude da sociedade, para Liogier, levam ao isolamento de comunidades e à frustração de parte da população. Marginalizados, jovens recorrem ao fanatismo religioso. O fato de isso ser feito em termos islâmicos não significa que haja relação com o islã.

Há um sentimento de guerra cultural e pessoas como os irmãos Kouachi, diz Liogier, querem vingar-se da sociedade aderindo ao que parece ser o inimigo: o islã.

"Não adianta eliminar o islã para combater o extremismo. Esses jovens não vão à mesquita, eles vão até a internet", afirma o sociólogo.

A liderança religiosa muçulmana condenou em Paris e ao redor do mundo os atentados ao "Charlie Hebdo" e ao mercado judaico e, nos discursos da reza tradicional de sexta-feira, denunciou o extremismo islâmico.

Especialistas apontam que o fato de não se converterem por meio da convivência em mesquitas faz com que radicais não tenham uma formação complexa na religião e, assim, adotem uma visão extrema que não
corresponde à maioria dos demais fiéis.

"Os terroristas foram ao islã porque queriam ser jihadistas. Não viraram jihadistas porque eram muçulmanos", afirma o sociólogo.

A radicalização ocorre, porém, em diferentes partes da sociedade. Também na direita europeia, diz Liogier, citando o terrorista Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em Oslo, em 2011.

São pessoas, afirma o sociólogo, que creem em uma narrativa de "guerra entre civilizações". "Os terroristas que atacaram o 'Charlie Hebdo' acreditavam que os jornalistas eram os inimigos. Quiseram ser heróis", diz.


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