Folha de S. Paulo


Análise: Atitude anti-islã cresce entre intelectuais e políticos franceses

Em artigo publicado no jornal francês "Le Monde", o sociólogo e filósofo Edgar Morin analisa, com razão, os recentes acontecimentos na França como uma importação dos conflitos do Oriente Médio.

A radicalização na França de alguns –poucos, pouquíssimos– muçulmanos surgiu como uma internacionalização do conflito israelo-palestino, em um país onde convivem importantes comunidades judaicas e muçulmanas.

Os eventos ocorridos pós 11 de Setembro e, particularmente, as guerras no Iraque e Afeganistão e as intervenções falidas na Líbia e Síria atuaram como gatilhos para tal radicalização.

A França está presente nesses terrenos não apenas por meio de seu Exército, mas também por jovens franceses que foram lutar pela jihad com a Al Qaeda e grupos afins (como o Estado Islâmico).

Os acontecimentos de quarta (7) se inscrevem em um contexto sociopolítico em mutação, que tem se estruturado, também, desde o 11 de Setembro. Até então, não se ouviam tão veementes discursos "civilizacionistas".

Os alvos dos discursos do principal partido de extrema direita francês, Frente Nacional, para justificar os problemas do país eram, conjuntamente: a União Europeia, os judeus, e os "imigrantes".

Em 2005, Philippe De Villiers, candidato nanico nacionalista, foi o primeiro a apresentar um discurso "contra a islamização da França". O discurso foi retomado pela nova presidente da Frente Nacional, Marine Le Pen.

Hoje a "ameaça islamista" constitui o principal argumento da extrema direita, sob o qual o partido tem registrado as maiores conquistas eleitorais de sua história.

O suposto "problema" do islã e dos muçulmanos na França tem se difundido amplamente, sendo recuperado por intelectuais e políticos da direita mais tradicional.

Nicolas Sarkozy utilizou, de forma repetida, discursos e posicionamentos ambíguos sobre a compatibilidade entre o islã e a tradição francesa de corte judaico-cristã.

Em consequência, o suposto "choque de civilização" que ameaçaria as tradições e a cultura francesas constitui, hoje em dia, o principal tema de debate da moda no país.

O sucesso de venda dos livros de Eric Zemmour exemplifica o fenômeno. Em "O Suicídio Francês", ele relata a ocorrência de uma suposta decadência da França desde os anos 1940, que seria resultado de políticas imigratórias que facilitaram a vinda de populações não ocidentais.

Na mesma linha, Michel Houellebecq acaba de publicar um livro sobre as consequências da vitória de um candidato muçulmano nas eleições presidenciais de 2022.

Coincidente e paradoxalmente, a capa do "Charlie Hebdo" publicado no dia do atentado continha uma caricatura sobre o livro de Houellebecq.

POSIÇÃO DA ESQUERDA

Frente à massificação e banalização de discursos anti-islã e a sua progressão na sociedade francesa, a esquerda política, hoje no poder, limitou-se a defesas brandas de corte humanistas.

O problema não seria o islã frente às sociedades ocidentais, mas um problema dentro do islã.

Qual pode ser a repercussão dos atentados sobre a classe política francesa?

Há poucas expectativas com relação à "união sagrada" decretada pelo presidente socialista François Hollande.

É provável que os líderes da direita, Nicolas Sarkozy, e da extrema direita, Marine Le Pen, prossigam ou até endureçam seus discursos, na tentativa de recuperação política.

Por outro lado, pouco se espera por parte de Hollande, seja pelo seu status de presidente –poderia ser visto como se aproveitando da situação–, seja pela sua fraqueza em termos de liderança.

ADRIÁN ALBALA é doutor em ciências políticas pela Sorbonne e pesquisador na USP


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