Folha de S. Paulo


Cohn-Bendit diz que os que cantam a Marselhesa 'não entenderam nada'

Daniel Cohn-Bendit, deputado europeu pelo partido ecologista alemão Die Grünen e liderança estudantil de 1968 na França, afirmou que quem cantou a marselhesa na marcha realizada neste domingo (11) em homenagem às vítimas dos atentados em Paris, "não entendeu nada".

Ele, que era amigo de Jean Cabut, o Cabu, e de George Wolinski –ambos mortos no atentado ao "Charlie Hebdo"– acrescentou que seus amigos não gostariam da atitude.

Daniel Marenco/Folhapress
Daniel Cohn-Bendit posa para foto; líder de 1968 critica os que cantam a Marselhesa pelo
Daniel Cohn-Bendit posa para foto; líder de 1968 critica os que cantam a Marselhesa pelo "Charlie"

"Aqueles que cantam a Marselhesa pelo 'Charlie Hebdo' não entenderam nada. 'que um sangue impuro lave nossos campos...[trecho do hino francês]' Cabu estaria se perguntando 'quem são aqueles idiotas? Por que eles me perturbam? Eu não fiz nada para eles", disse.

Ele também declarou estar impressionado que o "Charlie Hebdo" seja uma unanimidade e esteja sendo tão elogiado. Ele pediu para que "respeitassem" a memória do jornal e que, acima de tudo, não o tomassem como uma Bíblia.

O deputado europeu acrescentou que os cartunistas assassinados não eram exatamente afetos ao hino francês.

Cohn-Bendit deu as declarações quando participava de um programa da TV francesa e debatia, junto com outros convidados, o atentado ao jornal e a manifestação que reuniu 1,5 milhão nas ruas de paris para homenagear as vítimas.

A opinião dos que já trabalharam ou trabalham na publicação vai ao encontro das declarações de Cohn-Bendit.

Bernard Holtrop, ex-cartunista do jornal e famoso sob o apelido de "Willem", afirmou neste domingo (10) estar feliz pelas marchas, mas não pelos novos "novos amigos" do semanário.

Perguntado sobre o apoio que o periódico recebeu de Geert Wilders, político de extrema-direita holandês, Willem afirmou: "Vomitamos naqueles que de repente dizem que são nossos amigos."

Além dele, Renald Luzier, mais conhecido como Luz, cartunista da publicação que se salvou do massacre por ter perdido a hora na quarta, também tem opiniões neste sentido.

Ele frisou que acha válido que as pessoas apoiem o semanário satírico, mas destacou que contrassenso em algumas atitudes.

"Eu não estive na manifestação espontânea de 7 de janeiro (dia do atentado). As pessoas cantaram a Marselhesa. Falamos da memória de Charb, Tignous, Cabu, Honoré e Wolinski (todos mortos no ataque). Eles teriam repudiado este tipo de atitude", disse.

POLÉMICA

Recentemente, a letra da Marselhesa virou tema de debate na França. Muitos dos franceses -principalmente aqueles que vêm de famílias das ex-colônias-se recusam a cantar o hino, que consideram violento e ofensivo.

A passagem "qu'um sang impur abreuve nos sillons" [que um sangue impuro lave nossos campos] é vista por eles como uma referência a atitude dos franceses para com outros povos e ex-colônias. Eles se colocam na posição dos "sangues impuros", ou seja, na dos que não seriam realmente franceses, que não teriam o "sangue puro".

Já houve, inclusive, tentativas de mudar o hino nacional, que data da Revolução Francesa.

A extrema-direita, por sua vez, tem se identificado cada vez mais com a música, que passou a ser exaltada por aqueles que se identificam politicamente com suas ideias, como a restrições à imigração.


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