Folha de S. Paulo


Muçulmanos franceses relatam sofrer preconceito

Com o bebê no colo e a mulher ao lado, sentado no sofá de sua sala, ele é francês como outros tantos: assiste, na televisão, às imagens dos ataques terroristas em Paris.

Durante o dia, ele trabalha em um aeroporto próximo de Persan (norte) carregando bagagem. Reza com alguma frequência, veste-se de acordo com a moda e fala o francês como língua materna.

Mas Youssef Babouri, 30, filho de imigrantes argelinos, diz ouvir não poucas vezes no país onde nasceu: "Você não é como os outros". Babouri é um entre os 6 milhões de muçulmanos que vivem na França e, como muitos deles, não acredita que sua cidadania equivalha àquela que parte da direita diz ser do "francês real", cristão.

A população que segue o islã tem, por exemplo, menos chances de encontrar um trabalho. Uma pesquisa de 2010 da Universidade Stanford mostra que um cristão francês de origem africana tem 2,5 vezes mais chances de ser chamado a uma entrevista de emprego do que um muçulmano de mesma qualificação e origem.

Em 2013, segundo o Observatório da Islamofobia, houve 691 atos contra muçulmanos e suas instituições na França –um aumento de 47,3% em relação a 2012.

O país protagoniza, também, debates sobre o uso de véu e as rezas em público.

CUSCUZ

Como de costume, Amina Nassim, 38, vai até o mercadinho de produtos típicos árabes para comprar mantimentos à sua cozinha –ali, se vende de homus a cuscuz.

Ela esbarra na reportagem da Folha, que pergunta à dona da loja, a egípcia Noussa Tawadrous, 41, se ela acredita que há preconceito contra muçulmanos na França. Tawadrous diz que não é tanto assim. Nassim grita com a amiga: "É claro que há!"

"Há preconceito em tudo", diz Nassim, de origem marroquina. "As pessoas pensam que todos nós somos radicais."

Ambas vivem em Saint-Ouen, na periferia de Paris, que tem áreas com grande concentração muçulmana.

Criou-se ali, com os anos, uma comunidade própria que vive em torno da mesquita, de açougues "halal" (que vendem carne adequada às exigências do islã) e mercados de produtos típicos, como o de Tawadrous.

Nassim diz que "nem todos os franceses são racistas, assim como nem todos os muçulmanos são terroristas", mas reclama de discursos como o da extrema direita francesa, que vê árabes e muçulmanos como alheios à estrutura social do país.

Para analistas, a presença de muçulmanos nos entornos de Paris tem diversas razões. Por exemplo, a economia, que lhes empurra para as margens da cidade.

Também pesa a conveniência da vida entre pessoas vindas de contextos culturais semelhantes, o que é apontado por críticos como falta de interesse em integrar-se.

"Os imigrantes que chegaram ao país não conheciam nada. Buscaram redes vicinais, encontraram pessoas que os entendiam", diz o pesquisador Hassen Guedioura, especialista no tema.

De família argelina, ele viveu diversos episódios de preconceito na França. Um dia, ouviu de um desconhecido na rua: "Estamos vigiando você e seus amigos".

"Filhos de imigrantes que são franceses se sentem excluídos da sociedade e são mais fáceis de recrutar pelo extremismo", diz Guedioura.

Em outra esquina de Saint-Ouen, Abd al-Fatah, 37, e Abd al-Rahim, 30, cortam pedaços de carne em um açougue islâmico. Ambos os funcionários têm origem marroquina.

"Aqui, é mais fácil de viver do que no centro de Paris. É uma região de árabes", afirma Fatah. "Em Paris, vejo nas ruas o preconceito contra muçulmanos", diz Rahim.

LIVROS

Em Saint-Denis, em uma livraria islâmica, Muhammad Maji, 44, acompanha as notícias em seu computador à espera de clientes. Abordado pela reportagem, ele diz que não é vítima de preconceito diariamente no país. Mas critica a líder de extrema direita Marine Le Pen.

"Ela não gosta de nós. O pai dela esteve na Argélia e, por isso, ela odeia argelinos", afirma. "Os franceses precisam respeitar o nosso profeta. Nós vivemos na nossa comunidade, não provocamos ninguém", diz sobre o atentado contra a redação o "Charlie Hebdo", que publicou ilustrações de Maomé.


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