Folha de S. Paulo


Gana abriga maior lixão de eletrônicos da África

O jovem enxuga o suor do rosto enquanto, com a outra mão, agita uma barra metálica com a qual remexe uma bola de fogo que libera uma espessa fumaça preta. Não é a fumaça podre da queima de lixo a céu aberto, mas uma nuvem de gases químicos que emana de um emaranhado de cabos plásticos.

"Queimo cabos para extrair o cobre", diz o rapaz, arrumando sua boina descolorida pela fumaça. Ele é Abdulrahim, 25, e passou os últimos dez derretendo cabos em Agbogbloshie, um bairro de Acra, a capital de Gana, que nos últimos anos se converteu no maior lixão de restos eletrônicos da África.

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Na área que tem o tamanho de 11 campos de futebol, amontoam-se pilhas de monitores, computadores, teclados, impressoras, TVs etc.

Trata-se de sucata vinda, em sua maioria, de países desenvolvidos, que é separada em categorias para ser desmontada para a extração de metais valiosos como o cobre, o alumínio ou o ferro.

"Compramos o lixo eletrônico para tirar as partes de valor", diz o vice-presidente da Associação de Distribuidores de Sucata da Grande Acra, Yussif Mahama.

CUSTO DA RECICLAGEM

Segundo a ONU, de 20 milhões a 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico são gerados anualmente, e a produção continua a aumentar.

Mas a chave do problema está no alto custo da reciclagem do lixo digital. Enquanto enviar um monitor a Gana não sai por mais de € 1,50, reciclá-lo em um país como a Alemanha custa € 3,50.

Por isso, e visando a proteger os países subdesenvolvidos dos resíduos alheios, desde 1989 a Convenção de Basileia proíbe a exportação de lixo perigoso. Mesmo assim, as nações ricas recorrem às doações e à desculpa da redução da disparidade digital para se desfazer de seus computadores velhos.

Assim, lixo proveniente dos EUA, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Dinamarca e Espanha, entre outros, enche cerca de 600 contêineres por mês que chegam ao porto de Tema, o maior de Gana. É um volume que supera de longe a capacidade das autoridades alfandegárias e acaba inundando os lixões locais.

Segundo estimativas, entre 25% e 75% dos bens exportados à África como produtos de segunda mão não são reutilizáveis. E, como consequência, recorda Yussif, "por volta do ano 2000, quando o material não utilizável começou a se acumular, foi criado o lixão de Agbogbloshie".

Essa quantidade enorme de lixo eletrônico atrai milhares em busca de uma opção de trabalho. Ao menos 3.000 pessoas, diz Yussif, vivem da reciclagem em Agbogbloshie, número que pode aumentar se forem contados aqueles que compram aparelhos para vendê-los no lixão.

Dos recicladores, 90% são muçulmanos do norte, a região mais subdesenvolvida de Gana e há anos fustigada pela violência étnica.

"Com o conflito, chegou muita gente, e começamos a organizar as pessoas", diz Joseph Odartey Lamptey, delegado da Autoridade Nacional de Jovens de Acra. Foi o caso de Abdulrahim, que veio do norte para poder mandar algum dinheiro à família.

Embora grande parte dos trabalhadores do lixão seja formada por homens, 40% dos que separam os metais são crianças. O material é então vendido a intermediários, que, por sua vez, o revendem a empresas que o exportam a países como China ou locais como Dubai, um dos emirados que compõem os Emirados Árabes Unidos.

Jeronimo Giorgi/Folhapress
Jovens ganenses usam martelo para separar componentes eletrônicos em lixão na periferia da capital do país, Acra
Jovens ganenses usam martelo para separar componentes eletrônicos em lixão na periferia da capital

INDÚSTRIA GLOBAL

O lixo digital é uma indústria global de US$ 7 bilhões e, em Gana, exerce um papel fundamental, empregando indiretamente cerca de 30 mil pessoas e gerando anualmente entre US$ 105 milhões e US$ 268 milhões.

Embora o negócio beneficie cerca de 200 mil ganenses, incluindo os familiares que recebem as remessas, as consequências para os trabalhadores e para o meio ambiente são graves.

Em algumas áreas de Agbogbloshie, a concentração de chumbo no solo chega a ser mil vezes superior à tolerada. E a exposição contínua, devido à falta de proteção, a substâncias como o chumbo, cádmio e mercúrio provoca desde dores de cabeça, tosse, erupções e queimaduras até câncer, doenças respiratórias e problemas reprodutivos.

O Parlamento ganense ainda não aprovou uma lei que proíba a importação de lixo digital. Mas, para Atiemo Sampson Manukure, pesquisador do Centro de Pesquisas de Química Nuclear e Meio Ambiente, o problema não é apenas de Gana.

"Se a União Europeia aplicasse seus protocolos, o problema não existiria, mas os países desenvolvidos não têm interesse em resolvê-lo, devido aos custos. Gana, sozinha, não poderá fazer muito."

Cinco minutos mais tarde, as chamas se apagaram depois de consumir o revestimento plástico, e o vermelho metálico do cobre aparece em meio à fumaça.

É o metal pelo qual Abdulrahim e tantos outros jovens arriscam a vida diariamente. "Quando levanto pela manhã me dói o peito. Trabalhar aqui é perigoso", diz. "Bem que eu gostaria de poder mudar de trabalho."


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