Folha de S. Paulo


Mauro Vieira assume Itamaraty em meio a crise da pasta

O novo chanceler brasileiro, Mauro Vieira, assumiu nesta quinta-feira (1º) o Itamaraty no momento mais crítico do ministério em sua história recente.

Diante de um orçamento enxugado, da falta de prestígio da pasta, da redução da visibilidade do Brasil no exterior e da insatisfação dos diplomatas, Vieira, 63, terá de se dividir entre as agendas interna e externa do ministério, buscando maior atenção da presidente para a política externa e tentando retomar espaço no cenário internacional.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Mauro Vieira toma posse como ministro das Relações Exteriores, ao lado da presidente Dilma Rousseff
Mauro Vieira toma posse como ministro das Relações Exteriores, ao lado da presidente Dilma Rousseff

Vieira, que era embaixador em Washington desde janeiro de 2010, é visto por seus pares como um diplomata com experiência política, mas perfil bem mais discreto que o do ex-chanceler Celso Amorim –outro nome cotado para assumir o lugar deixado por Luiz Alberto Figueiredo, e um dos tutores de Vieira.

A escolha de Dilma Rousseff por Vieira seria um sinal, inclusive, de que a presidente reconheceu a necessidade de mudanças no Itamaraty, mas não estaria disposta a colocar alguém com perfil mais protagonista na pasta.

Dos quase cinco anos em que Vieira esteve em Washington, a imagem que ficou foi de um embaixador que atua bem nos bastidores, mas que não tem a diplomacia comercial como forte e evita o "confronto" diplomático, mesmo em temas caros ao Brasil como a espionagem americana e o contencioso do algodão.

Neste último, quem tomou a frente do lado brasileiro foi o então representante do país na OMC, Roberto Azevêdo (2008-2013), que viajava de Genebra a Washington para discutir com representantes americanos os incentivos dos EUA a seus produtores.

Como na escolha por Figueiredo –que agora assumirá a embaixada em Washington–, Dilma optou por um diplomata com quem ela já mantinha mínimo diálogo. A presidente chegou a aproveitar uma passagem pelos EUA para se consultar com Vieira sobre Argentina, país onde foi embaixador de 2004 a 2010.

Para o ex-embaixador do Brasil em Washington Roberto Abdenur, a escolha de Dilma pelo representante nos EUA está em "sintonia" com declarações dos novos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Armando Monteiro (Comércio Exterior).

"[Eles falaram] sobre a importância de o Brasil envolver-se mais no comércio internacional, inclusive mediante acordos com outros países e agrupamentos regionais [como os EUA e a Aliança do Pacífico]", disse Abdenur.

Para Diego Guelar, ex-embaixador argentino no Brasil, contudo, espera-se que o novo ministro reforce a cooperação com o país e o hemisfério sul. "Vieira conhece bem a Argentina e o atual governo. Seguramente se iniciará nova etapa na qual o Brasil ratificará sua vocação integradora."

BRASÍLIA

Vieira tem experiência em Brasília: trabalhou nos ministérios de Ciência e Tecnologia e da Previdência Social, e transitou pelo Congresso. No Itamaraty, foi chefe de gabinete na Secretaria-Geral, responsável pela administração da pasta e pela relação com o resto da Esplanada.

Para alguns, essa experiência gabarita o diplomata a reposicionar o Itamaraty no governo e até pleitear mais recursos para a pasta. O cientista político da UnB David Fleischer, porém, ressalta que a experiência de Vieira em Brasília ocorreu numa fase de "vacas gordas". "O Itamaraty tem de ser 'reinventado' agora", afirma.

Amorim acredita que a primeira missão de seu ex-chefe de gabinete deverá ser cuidar dos diplomatas. "Ele vai ter de se voltar muito para a casa [Itamaraty], porque sinto que o moral anda baixo na casa", disse à Folha. "Essa talvez será sua tarefa principal."

Colaboraram LUCIANA COELHO, de São Paulo, e FELIPE GUTIERREZ, de Buenos Aires


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