Folha de S. Paulo


Itamaraty perde espaço no Orçamento

No fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff, o Itamaraty experimenta um momento de desprestígio e de falta de recursos até então impensável após a visibilidade alcançada pela pasta nos oito anos de governo Lula.

A participação do orçamento do ministério no total do Executivo caiu quase à metade em 2013 em relação a 2003 –de 0,5% para 0,28%.

Em 2014, os números observados até 8 de dezembro mostram parcela ainda menor para o Itamaraty: os US$ 2,54 bilhões gastos em custeio e pessoal representam 0,27% do empenhado em ministérios e na Presidência.

Nos três primeiros anos do governo Dilma, o valor reservado no Orçamento para a pasta cresceu 3,7% –foi o sexto órgão a crescer menos–, em números corrigidos pela inflação. De 2003 a 2005, os três primeiros anos de Lula, a quantia reservada para o ministério subiu 14%.

A redução da fatia do Itamaraty no bolo do Executivo tem impacto ainda maior considerando o crescimento da máquina do ministério desde 2003. Foram criados 77 embaixadas, consulados e representações no governo Lula (2003-10), mais da metade dos 150 existentes até então.

Norberto Duarte/AFP
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo

Com quase o triplo de vagas criadas por Lula em comparação a Fernando Henrique (1995-2002), o número de diplomatas subiu de 1.084 em 2003 para 1.590 em 2014.

Diante do enxugamento da pasta, contudo, o efetivo ainda é bem inferior ao estipulado pelo próprio ministério para o bom funcionamento dos 227 postos no exterior.

Embaixadas e representações criadas desde 2003 –grande parte em países africanos– são as que mais sofrem com a falta de pessoal, funcionando com quase a metade do quadro ideal.

A falta de recursos fez com que missões comerciais e participações do Brasil em feiras internacionais caíssem de 180 em 2013 para 50 em 2014.

Pelo menos cinco postos brasileiros tiveram multas cobradas por atraso de aluguel, e funcionários chegaram a ficar três meses sem receber auxílio-moradia.

Para Matias Spektor, professor de relações internacionais na FGV e colunista da Folha, o corte é "pouco inteligente". "Política externa é barata. É um investimento muito pequeno para um retorno muito grande, porque o ganho de prestígio e a projeção que se tem com um ministério profissionalizado como o nosso é enorme. Mas tentar fazer política externa sem custos dá problema."

O cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer diz ser cada vez mais evidente que o corte de gastos deixou a política externa "aleijada". "Tradicionalmente, a diplomacia brasileira era encarada como de alto nível, com diplomatas muito bem treinados. Agora passou para o descrédito."

Procurado, o Itamaraty não quis comentar a situação.

Editoria de Arte/Folhapress

JEJUM

Além do orçamento, a ausência do Itamaraty e da política externa nas prioridades da presidente pode ser vista também no registro da agenda de Dilma. Neste ano, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo só foi recebido oficialmente no Planalto pela presidente duas vezes –a última delas em fevereiro.

Mesmo o chefe de uma pasta pequena e nova, Afif Domingos, da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, teve mais encontros oficiais com Dilma em 2014 (quatro).

Segundo o Itamaraty, o chanceler se reuniu com Dilma antes de encontros com dez autoridades estrangeiras no Brasil, apesar de isso não constar da agenda oficial. Por meio de nota, o ministério afirmou ainda que Figueiredo esteve "em constante contato com a presidente" durante as nove viagens ao exterior de Dilma neste ano.

O baixo número de viagens é um indicativo do desinteresse da presidente pelo tema. Dilma é, desde José Sarney (1985-90), a presidente que teve, proporcionalmente ao mandato, menos tempo de agenda internacional. Enquanto ela esteve fora do país por 9% de seu mandato, Fernando Henrique Cardoso viajou 12%, e Lula, 16%.

Em seu primeiro mandato, Dilma viajou a 35 países, contra 51 visitados por Lula em seus quatro primeiros anos.

Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV, o "início do fim" da relação de Dilma com os diplomatas foi quando, em 2011, durante a cúpula do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), perguntou a assessores qual era o sentido de ela, como presidente, estar ali.

No ano seguinte, durante discurso a diplomatas que estavam se formando, ela assumiu ter demonstrado ao então chanceler, Antonio Patriota, sua preocupação em saber quantos daquela turma eram engenheiros.

Em 2014, Dilma obrigou embaixadores estrangeiros a esperar até dez meses para entregar suas credenciais –e iniciar oficialmente seus trabalhos no Brasil.

"A sumida que o Brasil deu agora com a Dilma mostra que o engajamento brasileiro não tem base institucional", diz Stuenkel. "O Brasil é visto agora como um país que às vezes se importa com as coisas, outras vezes não."

Colaborou RODRIGO VIZEU, de São Paulo


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