Folha de S. Paulo


Com atuação do papa em acordo, católicos cubanos esperam mais direitos

Reuters
O cardeal Jaime Ortega, que lidera os católicos em Cuba
O cardeal Jaime Ortega, que lidera os católicos em Cuba

"Católico era o pior tipo de pessoa em Cuba. Na escola, o professor me humilhava. Depois, não pude estudar na universidade. Éramos proibidos de entrar no Partido Comunista e, por isso, não havia trabalho. Quando me casei, os amigos da Juventude Cubana não puderam ir porque seriam punidos."

Nascida nos primeiros anos do regime comunista implantando em 1959, a arquivista da Arquidiocese de Havana Olga Rivero, 51, cresceu numa família católica enquanto o governo Fidel Castro expulsava o clero estrangeiro, proibia festas religiosas e fechava escolas da igreja, entre outras repressões.

Décadas depois, a mediação feita pelo papa Francisco para o acordo histórico de aproximação entre EUA e Cuba revela o crescente papel da Igreja Católica no processo de reformas do país caribenho.

O seminarista Elixander Torres, 29, diz que o ponto de inflexão na relação entre Cuba e a igreja foi a publicação do livro "Fidel e a Religião", em 1985. Com mais de 1 milhão de exemplares vendidos no país, é uma entrevista concedida ao escritor brasileiro frei Betto, na qual Fidel elogia a prática religiosa.

"O livro ajudou muito as relações Igreja-Estado. O povo cubano, crente, sentiu que já não seria mais reprimido por assistir aos atos públicos da igreja", afirma o seminarista.

"Até então, os católicos eram segregados, e os bispos distantes da revolução, em geral críticos ou opositores", diz frei Betto, simpático ao regime, por e-mail. "Como disse um bispo, os cristãos perderam o medo, e os comunistas, o preconceito."

A flexibilização pavimentou a primeira visita de um papa à ilha –João Paulo 2°, em 1998. Em 2012, foi a vez de Bento 16 viajar a Havana. Nesse período, as datas do Natal e da Páscoa foram reincorporadas ao calendário, e hoje a igreja publica a revista "Espacio Laical", notória por trazer artigos críticos ao regime comunista.

O seminário San Carlos y San Ambrosio, onde Torres será ordenado no ano que vem, é um bom termômetro da trajetória dos católicos em Cuba. Fundado em 1774, chegou a abrigar 700 alunos no início do século 19, seu auge.

Em 1945, a igreja inaugurou um novo seminário, mas durou pouco: em 1966, o regime nacionalizou o local para transformá-lo em prédio militar, obrigando a escola a voltar à sua sede antiga.

Com a melhora das relações, a igreja abriu, em 2010, sua atual sede, a 20 km do centro de Havana, em cerimônia que contou com a presença do ditador Raúl Castro.

Hoje, o seminário tem professores estrangeiros e conta 49 internos, dos quais cinco devem ser ordenados no ano que vem –os únicos novos padres em toda ilha em 2015.

FUTURO

"Como católicos cubanos, estamos muito orgulhosos da posição firme do papa de, como bom pastor, reconciliar o que estava dividido, como manda o Senhor", afirmou Torres, que viu o anúncio do restabelecimento das relações com "um misto de ceticismo e esperança".

Além de Francisco, o cardeal cubano, Jaime Ortega, é visto como peça importante das boas relações com o governo e na mediação entre Havana e Washington.

Forçado a trabalhar por oito meses cortando cana nos anos 1960, dom Ortega teve papel central na liberação de 115 presos políticos, em 2012. Ele busca discurso que enfatize pontos em comum com o regime, como o rechaço ao embargo norte-americano.

A reportagem da Folha chegou a cumprimentá-lo no seminário, onde faria uma missa privada, mas ele disse que não concederia entrevistas no momento.

O melhor momento das relações entre igreja e Estado desde 1959 reanimou a esperança de que o regime permita a reabertura de escolas católicas e a criação de meios de comunicação de massa, áreas que seguem sob monopólio estatal.

Com isso, esperam aumentar a presença na população. Atualmente, segundo estimativa da igreja, apenas 2% dos cubanos são católicos praticantes, embora cerca de 85% sejam batizados. "A igreja, em Cuba e em qualquer lugar do mundo, sempre pede o seu direito de ensinar", afirma o seminarista Jorge Rubido, 30.


Endereço da página: