Folha de S. Paulo


Obama e Raúl têm mais recompensas que riscos, afirma especialista

Havana não terá "McDonald's, Starbucks e Marriots depois de amanhã", e Cuba vai escolher que investimentos lhe "interessam", como já faz com o resto do mundo, segundo uma das maiores especialistas em Cuba nos EUA, Julia Sweig, diretora do programa de América Latina do Council on Foreign Relations, um centro de estudos.

"Raúl Castro tem um mandato claro de fazer reformas significativas em curto prazo. A hostilidade aos EUA e a tensão contra o embargo eram mais úteis politicamente a Fidel", diz Sweig, que é colunista da Folha

Para ela, tanto Obama como Raúl têm mais "recompensas que riscos" para fazer a aproximação. Ela também diz que a proibição dos americanos de viajar a Cuba "acabou do jeito que conhecemos a partir de agora".

Leia trechos da entrevista.

MCDONALD'S NO MALECÓN
Não é porque os EUA dizem que seus setores agrícolas e de construção poderão investir que Cuba os acolherá. Cuba não vai abrir mão de suas leis e interesses.
Cuba vai fazer o que faz na hora de avaliar negócios com qualquer outro país, como o Brasil. Que investidores interessam, quais não. A ideia de que só vai ter McDonald's, Marriott e Starbucks no Malecón [passeio da orla em Havana] depois de amanhã é errada. Só alguns membros da velha guarda estão horrorizados com essa distopia.

REFORMA EM CURTO PRAZO
Para Raúl Castro, as recompensas superaram os riscos, assim como para Obama. Havia muitas estrelas alinhadas A mobilização constante contra a ameaça americana e o embargo se desgastou e era bem mais útil politicamente a Fidel. Já Raúl tem como mandato fazer reformas significativas em um um curto prazo, então a hostilidade com os EUA virou uma fraqueza, não um trunfo.

CHEQUE VENEZUELANO
Comércio e investimentos não acontecem da noite para o dia. Mas são um começo. A política obedece a estratégia de Raúl de diversificar o portfólio de investidores e comércio. Como qualquer país, Cuba tem interesses permanentes, não amigos permanentes.
O preço do petróleo caiu pela metade, então o talão de cheques da Venezuela não vai continuar tão generoso. Raúl precisava de alternativas. A relação de Chávez com Fidel também era bem mais especial que a de Raúl com Maduro. Raúl não vai largar Maduro, os americanos não exigiram que Cuba se unisse a sanções contra a Venezuela. Nem pensar.
Nenhum país da região se beneficia de antagonismo com os Estados Unidos.

FIM DA PROIBIÇÃO
Não dá para acabar com o embargo ou com a proibição do turismo sem aprovação do Congresso. É fato. Mas o que Obama tem feito já permite muita viagem. Não tem ninguém monitorando se você está fazendo turismo ou não. Você diz que vai para lá para fazer intercâmbio cultural, jornalismo, pesquisa. Não vai mais precisar de licença, você compra a passagem e, ao voltar, diz que se comportou como bom escoteiro e não fez turismo. É o fim da proibição das viagens como conhecíamos.

OBAMA PRESSIONADO
Na 6ª Cúpula das Américas, em Cartagena, em 2012, Obama e Hillary foram pegos de surpresa pela insistência com que o tema Cuba foi levantado. Foram pressionados por todos os líderes da região, até pelos seus maiores aliados, de que Cuba precisava ser convidada para a próxima. Até o anfitrião, Juan Manuel Santos, grande aliado, que mantinha o diálogo com as Farc com apoio de Cuba, pressionou.
A decisão de colocar o processo em andamento foi em 2012, mas demorou, por ser no meio da campanha presidencial americana. Mas, em 2012, Obama foi reeleito na Flórida com mais votos dos cubano-americanos do que em 2008.

LIBERTAÇÃO E DIPLOMACIA
Não havia uma análise clara de que, para conseguir libertar Alan Gross [americano preso na ilha acusado de incentivar dissidentes], o governo Obama teria que entrar em um processo diplomático para valer, que precisaria negociar seriamente com Havana e incluir nas negociações a libertação dos cubanos presos nos EUA.

DIVISÃO REPUBLICANA
Nem todos os republicanos, nem aqueles que estão na Comissão de Relações Exteriores do Senado, concordam com Marco Rubio [senador da Flórida que atacou a aproximação]. Ele não fala pelo Partido Republicano. Talvez fale pelos republicanos que concorrem à Presidência em 2016.

MUDAR A PLACA
Já temos uma equipe grande americana trabalhando na Seção de Negócios em Havana. Vai mudar a plaquinha e vai virar "embaixada". Não acho que um corte de verbas possa impedir a reabertura da embaixada. O que Obama anunciou está dentro da autoridade presidencial e pode ser feito rapidamente, sem legislação.

EMBARGO CONTINUA
O Congresso não vai acabar com o embargo tão cedo, mas o momento político mudou. Não vejo uma maioria republicana mudando isso tão perto de uma eleição presidencial como a de 2016. Várias missões de negócios de todos setores imagináveis irão para lá. Empresariado, sociedade civil... Quanto mais popular, mais o Congresso vai ter que reconsiderar. Mas ainda vai levar alguns bons anos.

DECISÃO DEMOCRATA
O Partido Democrata decidiu tirar esse tema da frente. O candidato democrata a governador da Flórida perdeu, apoiando a reaproximação, mas ganhou o voto cubano-americano por quatro pontos.
Obama venceu na Flórida duas vezes com uma boa parte do voto cubano-americano. Não é mais esse voto que decide as eleições no Estado. Mesmo que os democratas sofram algum tipo de rejeição, há mudanças nesse eleitorado.
Até os eleitores dos políticos republicanos que se opõem à aproximação estão viajando, mandando remessas a familiares e investindo em Cuba. Os laços familiares importam, eles estão votando com os pés.

PAPEL DO PAPA
João Paulo 2º falou da importância de Cuba se abrir para o mundo na praça da Revolução. Francisco não é o primeiro papa a se interessar por Cuba. A igreja é um ator importante lá. E há confiança entre Raúl e o arcebispo de Havana. O papa é latino-americano. Não sei por que Obama confia especificamente nesse papa, mas houve um alinhamento das estrelas. Obama queria uma solução e gosta de ser visto como ecumênico.


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