Folha de S. Paulo


Caminhoneiros do Iraque viajam com medo do Estado Islâmico

O caminhoneiro sunita Haji Shabib não vê o norte de seu país desde junho. Da última em vez que esteve ali, transportando comida congelada, voltou a Bagdá a tempo de assistir às notícias: Mosul havia sido conquistada pelo Exército do Estado Islâmico.

Desde então, ele tem desviado seu caminho e viajado a outras regiões do Iraque, vendo mais uma vez pela janela de seu caminhão a escalada da violência sectária.

"É como 2006", diz o motorista, referindo-se ao pior momento da crise. "Se você é sunita e eles são xiitas, matam você. Se você é xiita e eles são sunitas, também."

Em suas viagens de norte ao sul, nos dias anteriores ao surgimento do Estado Islâmico, Shabib diz já ter notado um país diferente. "Víamos o Exército nas ruas, ouvíamos disparos, mas não pensávamos que seria tão ruim."

Apesar da tomada de partes do território por militantes violentos, agora famosos pela decapitação de inimigos, o caminhoneiro diz ainda haver motoristas que cruzem áreas próximas.

Hoje, ele se recusa, mesmo diante da insistência de comerciantes que lhe dizem haver segurança naqueles trechos.

"Eu vejo pelo Facebook o que o Estado Islâmico faz com os motoristas que captura", diz Shabib. "Em 2006, eu cruzava até a Síria e não tinha medo. Hoje, tenho receio pela minha família."

Em junho, militantes capturaram caminhoneiros que percorriam o estratégico trajeto entre o sul da Turquia e Mosul, no norte do Iraque. Afugentados os motoristas dali, importantes rotas comerciais foram apagadas, com forte impacto econômico em toda essa região.

CARGA PESADA

Mas a violência sectária e os terroristas não são o único empecilho para a carga que Shabib transporta. Em um país traumatizado pelos carros-bomba, as estradas estão abarrotadas de controle militares e longas filas de inspeção. "Os caminhos estão sempre bloqueados", diz.

Os 40 dias entre as datas sagradas de Ashura e Arbain, então, são tempo morto a ele –apesar de ser sunita e, assim, não participar dessas peregrinações, o caminhoneiro não consegue trabalhar diante das rodovias fechadas pelo governo.

"Antes, viajávamos a Kirkuk (ao norte) em cinco horas. Hoje, com os desvios, leva sete horas por entre caminhos ruins que estragam o veículo. Perdemos o dia."

"Somos caminhoneiros, somos pobres", afirma Shabib. "Não temos uma alternativa, então temos de ir."


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