Folha de S. Paulo


'É difícil os brancos se colocarem em nosso lugar', diz advogado de Brown

Advogado da família de Michael Brown, jovem de 18 anos que foi morto por um policial branco em Missouri em agosto, Anthony Gray diz que há uma enorme "disparidade" em como brancos e negros veem o funcionamento da polícia e da Justiça nos Estados Unidos.

"É questão da experiência de cada um. O sistema funciona para os brancos, é difícil se colocar no nosso lugar", disse em entrevista à Folha.

Gray, que há 14 anos advoga em temas de direitos civis, faz parte de um time de advogados que tem em mãos outros casos de impacto na discussão do racismo americano, como as mortes de Tamir Rice, 12, assassinado pela polícia quando usava um revólver de brinquedo em uma praça, e de Trayvon Martin, 17, morto em 2012 por um vizinho branco que o achou "suspeito".

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Funciona para branco
Há uma enorme disparidade entre como os brancos e os negros veem a justiça das instituições. 70% dos negros dizem ter perdido confiança nela depois dos casos Michael Brown e Eric Garner [negro morto pela polícia em Nova York]. Só 34% dos brancos disseram o mesmo, em pesquisa da NBC nesta semana. A maioria dos negros se sente discriminado, a maioria dos brancos acha que a Justiça funciona bem. É uma questão de experiência. Os brancos não sofrem o que nós sofremos no cotidiano com polícia e o sistema legal. Parece difícil eles se colocarem no nosso lugar. Eles acham que o sistema funciona.

Mortos em segundos
Há várias semelhanças entre os casos de Michael Brown, Eric Garner e Tamir Rice. Do lado policial, uma discussão com um garoto desarmado, um homem que vendia cigarros ilegalmente no passado e um menino de 12 anos com uma pistola de brinquedo, os três mortos em questão de segundos. E júris que precisavam de promotores independentes, menos próximos da polícia com que trabalham cotidianamente.

Tiro ao alto
Armas já foram usadas no passado como instrumento de impacto ou de alerta, não para matar. Sabe aquele tiro ao alto? Mas, hoje, o que vemos em tantos casos são muitos tiros para matar.

Linchamento invisível
O racismo não é mais tão aberto, tão na nossa cara como antes. Já não vemos negros pendurados em árvores, enforcados, nem os linchamentos. Mas há diversos linchamentos invisíveis. Veja como as TVs e os rádios conservadores tentam transformar as vítimas em culpadas. "Algo fizeram por merecer". A narrativa é a mesma.

Investigação federal
Estamos esperando o resultado da investigação federal, que pode levar à abertura de inquérito por desrespeito aos direitos civis. Esse processo deve ser apresentado de forma mais correta, as evidências devem ser avaliadas mais profundamente que no processo estadual.

Ambiente amigável
O policial Darren Wilson [que matou Brown] encontrou um ambiente amigável no júri, o promotor não questionou as inconsistências dele, não houve perguntas difíceis. Cadê os enormes hematomas dos murros que ele teria levado do "gigante" Michael Brown? Nem houve recomendações.

Sem indiciar
O promotor no caso do Michael Brown não quis indiciá-lo. Deu a impressão de que ele recusou as evidências, e um promotor tem esse poder. Não haver inquérito é um reflexo disso. [O promotor] Não vai atrás das evidências, não faz as perguntas duras, não há acareação. Ele pode interrogar severamente o acusado, questionar as testemunhas ou não fazer nada.

Ponto de virada
Talvez estes casos sejam o ponto de virada no sistema judicial americano. Preciso ser esperançoso. Há uma enorme mobilização cidadã. A família de Michael Brown sempre pediu calma, paz e pressão. Protestos sem violência. E a maioria pelo país tem sido assim, apesar da repressão.


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