Folha de S. Paulo


Análise: Troca de líder do Pentágono significará mais guerra, não menos

O secretário de Defesa dos EUA, Chuck Hagel, apresentou sua renúncia na manhã de segunda-feira (24), e a administração Obama deve estar extática pelo fato de a imprensa de Washington estar novamente diante da pergunta eterna na capital: "Ele renunciou ou foi demitido?"

Após mais um fim de semana com notícias de que a administração está ampliando em segredo suas forças militares no Oriente Médio, a Casa Branca está mais uma vez fazendo uso de seu poder para evitar falar de algo que deveria estar na boca de todos: como é que o envio de mais soldados vai resolver um problema que 13 anos de guerra só fizeram piorar?

Com a saída de Hagel, quase ninguém está falando da notícia alarmante, publicada pelo "New York Times" na noite de sexta-feira, de que o presidente Obama ordenou –em segredo– que tropas americanas continuem na Guerra do Afeganistão pelo menos até o final de 2015... depois de ter anunciado ao público, meses atrás, que as operações de combate seriam encerradas no final deste ano.

Obama fez seu discurso televisionado "este ano vamos levar a uma conclusão responsável a guerra mais longa da América" no jardim da Casa Branca seis meses atrás. A prorrogação da guerra no Afeganistão teria sido executada por meio de uma ordem classificada.

Enquanto isso, Obama estava sorrindo ao lado de Hagel na segunda-feira, falando em como "relutava" em vê-lo partir. Como seu predecessor, o presidente americano parece relutar em ser franco com o público em relação à guerra.

Editoria de Arte/Folhapress

No domingo o "New York Times" também divulgou que, sem alardear o fato, o novo presidente afegão suspendeu a proibição às chamadas "incursões noturnas", abrindo caminho para que elas voltem a ser conduzidas em conjunto com forças especiais americanas.

(Em mais um caso de "novilíngua", em vista de como os afegãos odeiam essas incursões, as Forças Armadas americanas as teriam rebatizado de "operações noturnas".)

A saída de Chuck Hagel já foi explicada como estando ligada à necessidade de "mudanças" na administração Obama após as eleições parlamentares ou ao fato de que o secretário da Defesa teria se tornado bode expiatório da resposta da administração ao Estado Islâmico.

Mas isso levanta mais perguntas que respostas: por que a administração Obama pensa que afastar o único republicano que estava em seu gabinete satisfaria um eleitorado que acabava de eleger mais republicanos?

E por que a demissão de Chuck Hagel poderia magicamente ajudar a campanha trôpega para destruir o EI?

Vista em conjunto com a notícia vinda do Afeganistão, como aponta Marcy Wheeler, fica claro que a Casa Branca de Obama quer substituir Hagel por alguém que esteja muito mais em favor de travar guerra.

Veterano do Vietnã e durante muito tempo cético em relação ao conflito no Iraque, Hagel chegou à pasta da Defesa "para administrar a retirada das forças de combate do Afeganistão e o orçamento reduzido do Pentágono na era do sequestro orçamentário", conforme a descrição feita por Helene Cooper, do NYT.

Mas "um foco diferente será necessário nos próximos dois anos", segundo disse ao jornal um funcionário não identificado, aparentemente não disposto a explicitar o óbvio: Obama quer que o foco principal de ação de seu próximo secretário de Defesa (e talvez o de Hillary Clinton) seja incrementar as tropas e novamente ampliar o orçamento quase ilimitado do Pentágono.

Isso não quer dizer que nos últimos dois anos Chuck Hagel tenha sido uma voz contrária à guerra no caso da Síria, do Estado Islâmico ou das guerras de drones –ele não o foi. Ele foi tão veemente quanto qualquer outra voz do governo em relação ao EI e se manifestou "disposto a partir" para a guerra contra Bashar Assad na Síria em 2013. Parece que a administração achou que ele não estava suficientemente animado em travar guerras múltiplas que vão se estender pela próxima década.

O substituto de Hagel ainda está em aberto, mas uma coisa é certa: será alguém que vai defender mais guerra, não menos. O nome da ex-funcionária do Pentágono Michele Flournoy foi aventado pela maioria das pessoas na manhã de segunda. Favorita das empresas de armas, Flournoy aparentemente nunca encontrou uma intervenção militar de que não aprovasse –e que não exigisse o envio de mais tropas.

Como escreveu Spencer Ackerman, do "Guardian", sobre os possíveis sucessores de Hagel:

"Flournoy foi uma das intelectuais de Defesa mais estreitamente aliada à contra-insurgência. Como uma das fundadoras do "think tank" Centro para uma Nova Segurança Americana (CNAS), ela promoveu o aumento de tropas enviadas ao Iraque em 2007 e, depois de instalada como subsecretária da Defesa, defendeu um aumento semelhante de tropas enviadas ao Afeganistão, com a intenção de levar os afegãos a deixar de dar apoio ao Taleban".

Isso é deprimente para qualquer pessoa que queira respostas e uma política honesta.

Os Estados Unidos estão há quase cinco meses travando uma guerra de vários países contra o Estado Islâmico, ainda sem autorização legal, e agora podemos antever que o Congresso interrogue o próximo ou a próxima líder do Pentágono para saber se está suficientemente disposto a continuar a bombardear, enquanto a pergunta real continua sem resposta: ainda não temos ideia se os próximos 13 anos da Guerra que Nunca Acaba serão diferentes dos 13 primeiros.

Tradução de CLARA ALLAIN


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