Folha de S. Paulo


Revolta palestina sem líderes é mais difícil de conter

Sawsan Abu Hashieh disse que no domingo fez as malas de seu filho, Nur al-Din, 18, que contou à mãe que planejava se infiltrar em Israel para trabalhar durante duas semanas.

Mas, em vez disso, ele foi preso como participante do ataque a facadas que resultou na morte de um soldado israelense em uma movimentada estação ferroviária de Tel Aviv.

Ainda que seus parentes insistam em que Abu Hashieh não tinha interesse por política, os jovens nas vielas pichadas desse acampamento de refugiados palestinos nas cercanias de Nablus revelaram um lado diferente.

Yotam Ronen -10.nov.2014/AFP
Forças de segurança israelenses trabalham em local de ataque com faca em Tel Aviv
Forças de segurança israelenses trabalham em local de ataque com faca em Tel Aviv

Usando seus smartphones para mostrar a página de Facebook do amigo, exibiram uma foto dele em um protesto, carregando um cartaz que dizia "somos o povo que ama a morte, enquanto nossos inimigos amam a vida".

"Ele não é membro de facção alguma", disse Fares Rifai, 24. "Mas apoia a luta armada."

Abu Hashjieh, que do dia para a noite se tornou uma figura heroica para os jovens de Askar, é um militante naquilo que muitos palestinos veem como uma nova forma de luta armada, um levante sem líderes que resulta em surtos esporádicos de violência contra a ocupação e as políticas israelenses.

Porque não existe um processo de paz digno de menção e a liderança política dos palestinos não merece confiança, eles descrevem o surgimento de uma intifada latente, improvisada, diferente dos atentados suicidas com explosivos de uma década atrás ou dos protestos e ataques com pedras do final dos anos 80.

Essa violência, que raramente é condenada, é acatada ao menos tacitamente pelos líderes palestinos, e encorajada por memes culturais como a canção "Atropele o Colono", que nos últimos dias circulou nas mídias sociais acompanhada por cartuns com tema semelhante.

Mas dada a ausência de indícios claros de coordenação pela Fatah ou pelo Hamas, as facções políticas rivais que controlam a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, Israel não tem maneira clara de conter os ataques ou responsabilizar as autoridades palestinas por eles.

Seis israelenses foram mortos nos últimos 30 dias –dois em ataques separados com facas na segunda-feira, o que foi seguido por um par de mortes por atropelamento deliberado em Jerusalém–, ante cinco vítimas em ataques comparáveis nos últimos dois anos, reportou o site noticioso israelense Ynet. Artistas, ativistas, estudantes e camelôs palestinos mencionaram todos o mesmo gatilho para essa escalada, em entrevistas na terça-feira: o medo de que os judeus tomem o controle do complexo de Al-Aqsa, na Cidade Velha de Jerusalém.

"Quando você toca a mesquita de Aqsa, está ultrapassando uma linha, e todo mundo passa a obedecer as ordens de sua própria cabeça, de que algo precisa ser feito em resposta a isso", disse Hamed Qawamesh, líder comunitário na cidade de Hebron, Cisjordânia.

"A atmosfera toda é venenosa", ele acrescentou. "Depende de cada indivíduo determinar até que ponto ele irá. Vai se limitar a amaldiçoar Israel no Facebook ou dirá que 'isso é um ato, que virá acompanhado por outro ato?'"

Na terça-feira, o presidente Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, alertou que uma "guerra religiosa devastadora" engolfaria a região caso Israel permitisse orações judaicas no reverenciado local, que os judeus conhecem como Monte do Templo e os muçulmanos como Nobre Santuário.

"Não permitiremos que os nossos lugares sagrados sejam contaminados", declarou Abbas na cerimônia em honra ao 10º aniversário da morte de seu predecessor, Yasser Arafat. "Os mundos cristão e muçulmano jamais aceitarão a alegação de Israel de que Jerusalém lhe pertence".

Embora alguns ministros e parlamentares israelenses tenham pressionado por mais acesso judaico ao local ou até pela construção de um terceiro templo lá, o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu prometeu repetidamente que não alteraria o arranjo atual, que proíbe orações explícitas por parte de não muçulmanos.

Na terça-feira, ele reiterou sua acusação de que Abbas havia incitado a violência recente ao dar a entender o oposto.

"Em lugar de acalmar a situação, ele a está inflamando", disse Netanyahu sobre sua contraparte na noite de terça-feira. "Em lugar de dizer a verdade, está disseminando mentiras".

Netanyahu também anunciou que as forças armadas e a polícia haviam reforçado as patrulhas na Cisjordânia e nas cidades israelenses, e que Israel demoliria as casas dos atacantes e multaria os pais de jovens que arremessem pedras.

Em um de diversos confrontos entre multidões de palestinos e forças israelenses, na Cisjordânia terça-feira, soldados mataram a tiros Mohammed Jawabreh, que segundo militares israelenses apontou uma arma feita em casa contra eles.

Mas especialistas em segurança israelenses reconhecem que o novo surto é virtualmente impossível de controlar.

"Alguém se levanta pela manhã, vai à mesquita na hora do almoço e diz que hoje é dia de matar israelenses –sem organização que o oriente, sem ter de se preparar; a pessoa pode simplesmente usar uma faca de sua cozinha", disse Yaakov Amidror, ex-assessor de segurança nacional do governo de Israel, em conversa telefônica com jornalistas. "Não existe um estágio no qual os serviços de inteligência possam intervir e deter o ataque".

Os palestinos também disseram que parecia não haver esforço para direcionar as ações a um objetivo determinado. "Não temos a infraestrutura básica dos levantes anteriores", disse Qawamesh, o ativista de Hebron. "Isso é que é assustador, porque é imprevisível".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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