A exibição de cabeças de porco em protestos na Cidade do Cabo —que pedem o boicote a Israel— provocou agitação e preocupação na comunidade judaica da África do Sul, a maior do continente, que denuncia um aumento de casos de antissemitismo desde o último conflito em Gaza.
"No ano passado, tivemos 52 incidentes antissemitas; nos dois meses da última guerra de Gaza (julho e agosto) houve 116", afirmou Wendy Khan, diretora do Comitê Judeu Sul-Africano de Representantes (SAJDB, sigla em inglês), que representa os 75 mil judeus que vivem no país.
Khan não lembra de ter visto no país uma demonstração de antissemitismo tão clássica e grotesca como a exposição das cabeças de porco, um animal impuro na tradição judaica, cuja representação foi utilizada ao longo da história em ataques racistas e religiosos contra essa minoria.
O escândalo ocorreu no fim de outubro, quando integrantes do sindicato estudantil sul-africano colocaram uma cabeça de porco nas prateleiras de carne de um supermercado da rede Woolworths na Cidade do Cabo.
A rede de supermercados sofre com uma campanha de protestos a favor do boicote aos produtos de Israel por sua política em relação à Palestina —as organizações exigem que a empresa deixe de importar produtos israelenses.
Os fatos se repetiram nesta semana, quando ativistas defensores do boicote se manifestaram em frente às dependências da Woolworths com sete cabeças suínas.
A África do Sul é um dos países onde a campanha global Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel tem mais atividade, devido em parte à identificação que a organização faz entre o regime de segregação racial do Apartheid —que sofreu um boicote internacional parecido ao que propõem para Israel— e o tratamento do governo israelense com os palestinos.
Tanto a diretoria do sindicato estudantil como a do movimento pró-boicote BDS se distanciaram das cabeças de porco como formas de protesto.
O Comitê Judeu Sul-Africano considera a campanha pelo boicote um terreno fértil para este tipo de ação antissemita. Já Jessica Sherman, da organização sul-africana Vozes Judaicas por uma Paz Justa (JVJP, sigla em inglês), discorda e denuncia a política de Israel com os palestinos.
Sherman, que desqualifica os protestos com porcos por focarem no âmbito religioso em vez do político, defende que suas críticas e as do BDS estão suficientemente claras e não deveriam deixar espaço para que "sejam tomadas pelo antissemitismo".
No entanto, Khan e Sherman concordam ao se preocuparem que a violência antissemita em países como França e Bélgica, onde vários judeus foram assassinados nos últimos meses, chegue à África do Sul.
No dia 3 de outubro, em plena temporada de festejos judaicos, agentes de segurança comunitários e da polícia fecharam as ruas das sinagogas de Johanesburgo e de outras cidades do país à noite.
Segundo Khan, as autoridades sul-africanas tinham a informação de um possível ataque contra centros judeus similar aos ocorridos na Europa, o que não ocorreu.
Com o aumento das hostilidades pela crise de Gaza, o Comitê Judeu Sul-Africano classifica como excelente o atendimento do governo e da polícia à segurança da comunidade judaica e elogia a "intolerância ao racismo" de uma sociedade marcada pelo preconceito como a sul-africana.
"Além disso, temos a proteção de uma Constituição excelente, que tem instituições muito eficazes que nos amparam", lembrou Khan, citando a Comissão de Direitos Humanos.