Folha de S. Paulo


Na Polônia, conseguimos nocautear o 'urso russo', afirma Lech Walesa

A celebração dos 25 anos da queda do Muro de Berlim pelos alemães neste domingo (9) incomoda o ex-presidente polonês Lech Walesa, 71, um dos maiores símbolos da luta contra o comunismo.

"Os alemães se vangloriam disso, mas o grande começo do fim do comunismo não é a queda do Muro de Berlim, mas o Solidariedade na Polônia", disse em entrevista à Folha em Gdansk, Polônia.

Walesa fundou e liderou o sindicato Solidariedade, criado em 1980, período de greves no estaleiro naval comandado pelo governo comunista aliado da União Soviética.

O movimento chegou a reunir 10 milhões de pessoas.

Uma lei marcial pôs o Solidariedade na ilegalidade e levou Walesa à prisão por 11 meses em 1982.

Leandro Colon/Folhapress
O ex-presidente da Polônia e fundador do sindicato Solidariedade durante entrevista à *Folha* em Gdansk
O ex-presidente da Polônia e fundador do sindicato Solidariedade durante entrevista à Folha em Gdansk

No ano seguinte, ele ganhou o Nobel da Paz. A queda do muro, em 1989, desmantelou de vez os regimes comunistas do leste europeu, incluindo a Alemanha Oriental e a Polônia.

No ano seguinte, Walesa foi eleito presidente do seu país, mas perdeu a reeleição cinco anos depois.

Distante de funções políticas, ele comparou sua trajetória à de Lula, outro sindicalista que chegou à Presidência: "Caminhamos em direções opostas, e hoje ele é um grande capitalista".

Destacou que o papa João Paulo 2º, morto em 2005, foi fundamental para o fim do comunismo: "Sem ele, levaríamos muito mais tempo".

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Folha - Como vê os 25 anos do fim do comunismo na Europa?

Lech Walesa - Fizemos grande progresso. A restrição em qualquer campo não traz nenhum benefício. Alguém que goste de algo parecido hoje sempre ficará decepcionado, porque somos livres.

O que diria sobre o Solidariedade para as novas gerações?

Contaria que a luta contra o comunismo começou no começo dos anos 50, mas sem sucesso. Nos anos 60 e 70, organizamos manifestações e fomos reprimidos de maneira sangrenta.
Chegamos à conclusão de que a única maneira de ganhar era nos unirmos e nos chamarmos Solidariedade. Solidariedade é nada mais do que, se nós não podemos levantar um peso, temos que pedir ajuda de outros para que juntos possamos levantá-lo. E, naquela época, o peso era o comunismo e a União Soviética. Levantamos o peso e cruzamos o caminho.

O Solidariedade foi fundamental para o fim do comunismo no leste e para a queda do Muro de Berlim?

Com certeza. O Solidariedade e a Polônia nocautearam o "urso russo", que ficou enfraquecido, e outras nações progrediram. A Alemanha vinha mostrando pessoas escapando de países comunistas como Polônia, Hungria e Tchecoslováquia e que estavam em volta do muro para migrar para Berlim Ocidental. Acharam então que não havia mais necessidade do muro.
Mas não vamos falar disso, porque os alemães se vangloriam de que a queda do Muro de Berlim foi a coisa mais importante para o fim do comunismo, o que não foi.

Por que não?

Isso é óbvio. Nada teria ocorrido se os poloneses não tivessem lutado com unhas e dentes. Não haveria caminho para os alemães do leste desertarem, e desertar não é boa coisa. Quando as pessoas estão na luta e pessoas fogem, não é ato de heroísmo. Os alemães não devem ter orgulho disso, se vangloriar.
Os alemães nos ajudaram, nos apoiaram, mas o fato é que o grande começo do fim do comunismo na Europa não é a queda do Muro de Berlim, mas o Solidariedade na Polônia.

É inevitável comparar sua trajetória à do ex-presidente Lula. Qual sua opinião sobre ele?

O Lula foi um revolucionário, sindicalista como eu. Mas caminhamos em direções opostas. Ele queria lutar contra o capitalismo, construir um sistema de bem-estar social. Estava certo, mas eu estava também. No meu contexto, tinha que ser contra o comunismo, porque era o que tínhamos na Polônia, não havia escolha. O Lula queria abolir o capitalismo, mas perdeu várias vezes, e só ganhou depois que deixou o capitalismo crescer um pouco e fez um bom equilíbrio, que o levou à vitória. Penso que hoje ele seja um grande capitalista. Ele me visitou em 2011, quando recebeu uma medalha de minha fundação. Conversamos e nos entendemos bem, até porque agora somos dois aposentados.

O sr. acha que a Igreja Católica foi essencial para derrotar os soviéticos, principalmente na Polônia?

Sem o papa João Paulo 2º nunca teríamos nos organizado tão bem. O comunismo tem uma filosofia simples, que é de não permitir que se organize, criando uma situação curiosa: afinal, quantos vocês são e quem vocês representam? Havia 200 mil soldados soviéticos na Polônia e 1 milhão em volta. Nós e o mundo acreditávamos que não tínhamos chance.
Em 1979, um ano depois de sua eleição, João Paulo 2º [que era polonês] veio à Polônia. E então vimos que éramos numerosos. O papa disse: "não tenham medo". Naquele momento, como líder da oposição, era um grande sucesso atrair dez pessoas. Um ano depois da visita do papa, eu reunia 10 milhões. Não vamos exagerar, o papa não fez a revolução, mas nos ajudou a nos organizar e nos encorajou. Sem o papa, o comunismo provavelmente cairia muitos anos depois.

Que balanço o sr. faz de sua vida política após ser eleito presidente em 1990?

Minha missão era exterminar o comunismo. Por isso virei presidente. A única escolha que a oposição tinha era me transformar em presidente e encerrar o comunismo. Eu não poderia falar isso em voz alta naquele momento, mas eu tinha que seguir esse caminho. Concordei em exterminar o comunismo e dei o poder para a nação.

Mas seu governo não deu certo. O senhor não foi reeleito.

Propus diferentes soluções nas reformas. Infelizmente, naquele momento, a nação escolheu um diferente caminho e elegeu um presidente com outro modelo. Não sou totalmente satisfeito, claro, porque acho que teria feito melhor e mais rapidamente se tivesse sido reeleito. Mas, para mim, a democracia era o mais importante naquele momento, e aceitei. Não me envolvi mais porque aquela não era minha ideia de fazer as coisas e optei por trabalhar pela Polônia pelo mundo.

O sr. se arrepende de algo ou de algum erro cometido?

Não, não. Todas as coisas foram bem feitas. Muitos perguntam se poderia ter sido mais rápido ou devagar. Eu poderia ter tomado o poder como outros líderes autoritários. Eu era capaz, estava numa posição política forte, mas não quis. Escolhi a democracia.

Seu período na prisão foi o momento mais difícil?

Bem no começo de tudo eu disse: "vocês podem me matar, mas não vão me derrotar". Eu estava bem preparado para a prisão, sabia o que poderia ocorrer. Como líder, não posso apontar um ponto mais difícil, foram várias mudanças.

O sr. sempre foi um crítico de regimes comunistas como Cuba. Qual sua opinião sobre a situação na ilha e em outros regimes parecidos, como China e Coreia do Norte?

O comunismo tem que cair, e vai cair em qualquer lugar. Além disso, há diferentes tipos de comunismo. Na China, é um partido só, economicamente não é estatal. Esse comunismo também vai cair, quando o capitalismo quiser ter representantes no sistema partidário, defendendo seus interesses. Isso derrubará o regime.

O Solidariedade perdeu muita força desde 89, inclusive o senhor se afastou dele.

O movimento já tinha feito o que deveria e propus sua dissolução na época, mas não concordaram. Hoje, muitas cidades pelo mundo precisam de algo parecido, com diferentes bandeiras. O Solidariedade de hoje na Polônia é até um sindicato melhor do que antes, mas não é mais um movimento social.

Qual sua opinião sobre o recente conflito entre Rússia e Ucrânia?

A Rússia está atrasada em 30 anos em termos de relação com a Europa. Eu alertei sobre isso no começo: a Rússia e todos os países pós-comunistas teriam forte minorias russas suficientes para se organizarem. Se organizariam em grupos no parlamento e ganhariam eleições, mesmo porque o resto é dividido e esses grupos são unidos. Vão ganhar eleição e democraticamente se juntar à Rússia.


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