Folha de S. Paulo


Nadja Smithd, 35

Alemã descobre que pai era espião comunista após queda do muro

RESUMO - A produtora de vídeo Nadja Smithd, 35, nasceu em Berlim Oriental. Seu pai era espião do regime comunista, o que ela só soube aos dez anos de idade, depois que foi derrubado o Muro de Berlim, em 1989. Smithd lembra o choque com a revelação, a emoção de visitar o lado capitalista e o efeito para sua família.

Vídeo: Veja curiosidades sobre a queda do Muro

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A primeira ideia que todos têm da queda do Muro de Berlim é: "ah, estava todo mundo feliz". Não foi bem assim.

Muitas pessoas do lado comunista perderam seus empregos e tiveram que reconstruir suas vidas.

Meu pai era um espião da Stasi, a polícia secreta e de inteligência do governo da Alemanha comunista.

Leandro Colon/Folhapress
Nadja Smith, 35, que nasceu em Berlim Oriental e cujo pai era espião comunista
Nadja Smith, 35, que nasceu em Berlim Oriental e cujo pai era espião comunista

Eu e meus dois irmãos só descobrimos isso pouco depois que o muro caiu, em 1989. Meu pai, então com 34 anos de idade, reuniu os filhos para contar que perdera o emprego e qual era o seu trabalho.

Disse que era algo em que acreditava e afirmava se sentir traído.

Basicamente, o trabalho dele era vigiar os cidadãos. Por causa disso, não podia ter amigos. Era proibido.

Minha família implodiu com tudo isso e anos depois rompi o relacionamento com ele, que ficou louco porque queria compensar dentro da família o prestígio e o poder que não tinha mais.

Estou contando agora para você porque meu pai dificilmente ficará sabendo. Nunca falei sobre isso para jornais aqui na Alemanha para não me importunarem.

Por causa desse emprego na Stasi, tínhamos alguns privilégios, como telefone, um carro bem grande, um bom apartamento no centro de Berlim.

Eu não podia ver canais de televisão ocidental. Morria de medo de ser pega vendo algo, nem que fosse por acidente, trocando de canal.

Na cabeça do meu pai, ele estava nos protegendo dos inimigos.

As lembranças daquele período são, em sua maioria, boas, porque quando você é criança não entende direito o que está ocorrendo.

Todo mundo sabia na família que meu pai era da Stasi, menos as crianças, porque nós podíamos falar sem querer na rua.

Morávamos perto do muro. O lado ocidental podia ver o oriental pelas janelas dos apartamentos.

Do nosso lado, era tudo bloqueado.

Minha mãe trabalhava para o governo [da Alemanha Oriental] como servidora pública e também perdeu o emprego com a queda do muro.

Pelo menos conseguimos ficar com o apartamento.

Meu pai fez bico em indústria de medalhas por alguns meses. Não deu certo, era um trabalho braçal muito pesado para ele.

A saída foi montar uma empresa de carpintaria, para construir cozinhas, decoração de casas, portas de segurança.

A relação entre meus pais se deteriorou também e se divorciaram. Meu pai continua trabalhando na mesma área até hoje, mas o vejo muito pouco.

Eu lembro bem a primeira vez que atravessamos a fronteira para o lado ocidental, mais ou menos uma semana depois da queda do muro.

Nunca tinha visto estrangeiros e fiquei superassustada. Meu pai não entrou no shopping, só minha mãe e as três crianças.

Ela comprou um cachorro de pelúcia para os três, um só para os três.

E depois voltamos para o leste, superfelizes com o presente, mas contentes por voltar para casa.

Eu faço parte da terceira geração de nascidos no período do muro.

É uma geração que teve uma experiência traumática, afinal tudo que você aprendeu e acreditava depois passou a ser considerado errado. Passei a ter novos livros, novos professores.

Cerca de 3 milhões de pessoas nasceram nessa geração. Isso é um assunto ainda muito importante para quem nasceu no leste mesmo 25 anos após a queda do muro, o que não é para a mesma geração do Ocidente, que acha que isso já passou. Nós queremos melhorar esse diálogo.

O regime comunista tinha coisas boas, a relação entre as pessoas era mais próxima, havia mais emprego para as mulheres, mas uma pequena parte abusou, como o meu pai. E nós não podemos negar isso.


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