Folha de S. Paulo


Cidade que foi símbolo da Alemanha socialista vive decadência

Numa pequena cidade alemã na fronteira com a Polônia, a avenida Karl Marx cruza com a Friedrich Engels e um monumento na praça homenageia os soldados soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial.

É sexta-feira à tarde. O local que celebra os combatentes e as ruas que dão nome aos autores do Manifesto Comunista estão vazios.

Vídeo: Veja curiosidades sobre a queda do Muro

Desde a queda do Muro de Berlim, que completa 25 anos no dia 9 de novembro, a cidade de Eisenhüttenstadt não é mais a mesma.

Além das ruas fantasmas, a arquitetura comunista dos prédios parece esquecida e melancólica.

"É muito triste, não tem mais vida", lamenta Doreen Voigfmann, 48, professora, nascida e criada em Eisenhüttenstadt, a 120 quilômetros de Berlim.

Ela enfatiza que não há saudade do governo comunista, mas da cidade que tinha "vida" e relevância.

Em 1989, ano em que foi derrubado o muro que dividia Berlim e simbolizava o racha das duas Alemanhas, o número de moradores era de 53 mil, um recorde. Caiu quase pela metade de lá para cá. Hoje, é de 28,7 mil. A cidade perde, em média, 35 habitantes a cada mês, 400 por ano.

A média de idade é de 50 anos e um terço da população tem mais de 60. O número de mortes em 2013 cresceu 18% em relação a 2012.

A fachada do hotel Lunik (em homenagem ao primeiro satélite soviético lançado à Lua, em 1959) tenta resistir ao abandono do prédio no centro da cidade. Até os casamentos diminuíram: uma média de 98 por ano ante 142 há 15 anos. Os jovens foram e estão indo embora.

Leandro Colon/Folhapress
O hotel Lunik em Eisenhüttenstadt, que está completamente abandonado
O hotel Lunik em Eisenhüttenstadt, que está completamente abandonado

Para entender a decadência e o abandono de Eisenhüttenstadt é preciso voltar ao fim da Segunda Guerra. Após a capitulação das tropas alemãs em 1945, o controle do país foi dividido entre União Soviética, Estados Unidos, França e Reino Unido. Na capital, Berlim, ficou uma parte para cada lado.

Em 1949, americanos, franceses e britânicos criaram a República Federal da Alemanha, mais conhecida como Alemanha Ocidental. Os soviéticos reagiram com a República Democrática Alemã, ou Alemanha Oriental.

E aí começa a história de Eisenhüttenstadt. Em 1950, a Alemanha Oriental decidiu construir na fronteira com a Polônia, às margens do rio Oder, o que chamou de a primeira cidade de modelo socialista em território alemão. A ideia era criar um pequeno símbolo do regime. Um orgulho do sistema.

Editoria de Arte/Folhapress

O primeiro nome foi "Stalinstadt", em homenagem ao líder soviético Josef Stalin. A inauguração ocorreu em maio de 1953, meses após a morte do ditador. Casas, escolas, hospital, praça, tudo foi construído em volta de uma indústria metalúrgica de aço e ferro do governo socialista. Eram, na época, 2.400 moradores, praticamente todos com alguma vinculação com a indústria local.

Os prédios foram construídos no estilo arquitetônico socialista chamado de "plattenbau", utilizando placas de concreto pré-fabricadas para montar blocos de apartamentos e lojas de quatro e cinco andares, em meio a uma grande avenida.

Em 1961, oito anos após a morte de Stalin e quando a União Soviética já condenava a memória do ditador, a cidade ganhou novo nome: Eisenhüttenstadt (em alemão, numa tradução livre, algo como "cidade da siderurgia"). Quatro anos depois, já tinha 38 mil habitantes.

NOSTALGIA E DECLÍNIO

A Folha visitou a cidade em outubro. Até hoje sua arquitetura original é preservada, com um ar de nostalgia socialista, ainda mais para quem chega de Berlim, hoje símbolo capitalista. A memória comunista se vê no primeiro prédio construído para moradores (e outros também), na escola e no hospital. Um museu a céu aberto.

Mas é só. A queda do Muro de Berlim em 1989 selou o destino de Eisenhüttenstadt, que passou a não ser símbolo de nada para o governo alemão. Perdeu prestígio político, população e dinheiro.

Editoria de Arte/Folhapress
Em cima do muro de berlim
Em cima do muro de berlim

Em 1995, a indústria siderúrgica foi privatizada –hoje está nas mãos da gigante ArcelorMittal. O número de empregados caiu de 12 mil, em 1989, para atuais 2.400. A consequência foi óbvia: sem emprego e renda, a população começou a abandoná-la, sobretudo a mais jovem.

"Nos anos 90, as pessoas foram sumindo, principalmente as mais novas. Assisti à decadência", conta Eberhard Harz, 64, guia turístico.

O comércio é insignificante para alavancar a economia, com lojas na avenida principal e uma galeria na entrada da cidade. Nada mais.

O professor Klaus Schröder, da Universidade Livre de Berlim, explica que Eisenhüttenstadt simboliza o que enfrenta a região da fronteira da antiga Alemanha Oriental com a Polônia.

"Mesmo com benefícios e tentativa de estímulo do governo após o fim do muro, a ressaca é visível. A Alemanha Oriental era muito rural e menos metropolitana do que a Ocidental, e o processo de modernização é bem mais difícil", diz Schröder.

Nascida na cidade em dezembro de 1990, a jovem Monic Reinhardt diz que só não foi embora porque conseguiu um emprego que queria numa livraria. "Meus amigos já saíram faz tempo, ninguém volta mais. O que faz um jovem aqui? Não tem emprego, diversão ou perspectiva", diz.

A professora Doreen Voigfmann só não deixou a terra natal porque o seu certificado para lecionar não foi aceito do lado ocidental do país. E desabafa: "Mas a maioria dos alunos que tive nesse período foi embora. Tenho um filho pequeno, que fará o mesmo um dia".

Leandro Colon/Folhapress
Praça vazia na cidade; ao fundo, monumento aos soldados soviéticos mortos na 2ª Guerra
Praça vazia na cidade; ao fundo, monumento aos soldados soviéticos mortos na 2ª Guerra

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