Folha de S. Paulo


Análise: Sequestro de estudantes revela o velho e mau México

Os 43 rostos dos normalistas da escola normal rural de Ayotzinapa estampam um anúncio de página dupla publicado pelo governo do México nos jornais.

O título diz "recompensa". Não estamos falando do "México em movimento", o mais recente slogan do presidente Enrique Peña Nieto.

O que temos é o velho e mau México, de funcionários ineptos, corruptos ou mancomunados com o crime, onde a vida custa pouco e a justiça é fugaz, onde os recém-chegados são instruídos a nunca pedir ajuda a um policial.

Formidável operador político por fazer 11 reformas em dois anos de mandato e criar uma imagem positiva do México para investidores, Peña Nieto foi apanhado no contrapé, e sem aviso.

A hashtag "exijo sua renúncia EPN" está entre os trending topics do Twitter. O governo vem se esforçando imensamente para se distinguir de Felipe Calderón, cuja fracassada guerra contra as drogas custou 80 mil vidas.

Mas Calderón enfrentou as críticas em 2010, quando encarou diretamente as mães iradas de Ciudad Juárez, onde 15 adolescentes foram mortos numa festa. Na época, o município ganhou o apelido de "cidade da morte".

Ciudad Juárez foi a Iguala de Calderón. A visita ajudou a alimentar uma parceria cívica que foi essencial para o renascimento da cidade.

Peña Nieto ainda não visitou Iguala. Embora tenha condenado os "atos bárbaros" e mobilizado o aparelho federal de segurança, sua agenda não mudou.

Mantém viagens pelo país e discursos em eventos como inaugurações de hospitais ou participação em um fórum de mídia estatal –e isso enquanto se multiplicam as manifestações contra o desaparecimento dos estudantes.

Peña Nieto, saudado como o salvador do México seis meses atrás na revista "Time", agora vê as manchetes internacionais dominadas por toda a má imagem que ele vinha trabalhando com tanto afinco para combater.

A estratégia de segurança, que parece se resumir a uma tentativa de ocultar a parte ruim aderindo a uma narrativa de progresso e modernização, parece incompreensível, especialmente quando as pesquisas mostram que a classe média mexicana ainda não aderiu às reformas.

Com isso, o presidente está em uma encruzilhada. Será que Iguala, de longe a mais séria crise do governo e uma das piores atrocidades no México em mais de 50 anos, será um ponto de inflexão, o momento em que a maré da segurança vire? Ou será uma Waterloo para ele?

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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