Folha de S. Paulo


Tunísia vota domingo para consolidar Primavera Árabe

No último dia da campanha, militantes de três partidos diferentes distribuem propaganda eleitoral na praça principal do bairro de Marsa, zona leste de Túnis, a capital da Tunísia. Boa parte dos cidadãos reage com indiferença e nem aceita os folhetos.

As eleições legislativas de domingo (26) no país, berço da Primavera Árabe e seu único exemplo de relativo sucesso, deveriam coroar o processo de transição para a democracia iniciado em 2011. Mas suscitam mais interesse nos meios de comunicação que entre os cidadãos.

As forças de segurança se encontram em estado de alerta desde que, na quinta-feira (23), ocorreram vários tiroteios com radicais islâmicos, que terminaram com a morte de um policial e de um guarda de segurança.

"Eu não pretendo votar", fala em tom provocativo Helmi, um rapaz que guarda os carros estacionados diante da praia, mediante o pagamento de alguns trocados. "Todos os políticos são iguais e só defendem seus próprios interesses. Não espero nada deles", completa.

Sua apatia é representativa da atitude de boa parte da juventude, o setor da sociedade mais afetado por desemprego e subemprego, problemas que a revolução não conseguiu resolver.

"Sinto que nossa revolução foi confiscada pelos políticos. Em todas as áreas, como a liberdade de expressão, os direitos humanos, houve um retrocesso em relação aos primeiros meses da revolução", diz Lina Ben Mhemi, célebre ativista e blogueira.

O abismo que separa a juventude da política não surpreende, apesar de os jovens terem exercido papel chave na revolta que depôs o ditador Zine Ben Ali.

"A frustração dos jovens é compreensível. A revolução ainda não atendeu às suas expectativas. Mas precisamos ser pacientes. Depois de qualquer revolução, sempre há um período de turbulência política e econômica", opina o jornalista Omar Mestiri.

ECONOMIA PARADA

A evolução da Tunísia é alentadora, especialmente quando comparada aos outros países abalados pelas revoltas árabes.

A Síria está mergulhada numa guerra civil e agora enfrenta o avanço da milícia radical Estado Islâmico, enquanto Egito, Líbia e Iêmen sofrem reiterados espasmos violentos.

Na Tunísia, após um período de grande tensão causado pelo assassinato de dois políticos liberais, as forças políticas conseguiram chegar a um consenso para a formação de um governo tecnocrático e a aprovação de uma nova Constituição, que garante liberdades individuais.

As eleições legislativas de domingo e as presidenciais de novembro devem coroar o processo de transição.

Mas esses avanços foram ofuscados pela estagnação da economia, que crescerá menos de 3% neste ano, a retomada do desemprego (13,8%) e a alta da inflação (6%). Uma parte da sociedade sente certa nostalgia da estabilidade da era de Ben Ali.

De acordo com as pesquisas, o partido favorito é o Nidá Tunísia, uma aliança entre figuras conhecidas da esquerda e políticos e empresários da era de Ben Ali.

O nascimento da aliança foi motivado pelo medo de que se consolide a hegemonia dos islâmicos moderados do Nahda, que venceram as primeiras eleições livres de 2011 e lideraram o primeiro governo eleito da Tunísia.

Como acontece em outros países árabes, a luta política se dá entre forças islâmicas e as laicas. Diferentemente do Nidá Tunísia, os islâmicos não querem jogar lenha na fogueira da polarização na campanha eleitoral.

"Nossa aposta é no diálogo. Diferentemente de nossos adversários, achamos que ninguém deve ser excluído", explica o número dois do partido, Abdel Fatah Moro.

O mais provável é que nenhum partido conquiste a maioria absoluta, o que exigirá a formação de um governo de coalizão.


Endereço da página: