Folha de S. Paulo


Venezuela 'canoniza' herói nacional enquanto aguarda decisão do Vaticano

A Venezuela precisa de um milagre. De preferência dois.

A Igreja Católica local tem a missão de documentar um milagre atribuído a um dos heróis mais populares do país, José Gregorio Hernández. Nascido nesta pequena cidade no sopé da cordilheira dos Andes, em 26 de outubro de 1864, Hernández passou boa parte da vida em Caracas, a capital, onde ficou conhecido como "o médico dos pobres", porque costumava tratar pacientes carentes de graça.

Ele morreu em 1919. Para seu funeral, dezenas de milhares de pessoas lotaram as ruas em frente à catedral, segundo relatos do jornal da época, e quando o caixão estava prestes a ser colocado em um carro fúnebre um grito surgiu: "O doutor Hernández é nosso!". Os cidadãos levaram o caixão ao cemitério nos ombros.

Ao longo dos anos, sua lenda cresceu. Os doentes ou feridos rezavam para serem curados por ele, e muitos atribuíam milagres ao médico. Ele também foi aceito pelos seguidores de duas religiões que combinam elementos do catolicismo romano com crenças africanas e indígenas -a María Lionza, que é originária da Venezuela, e a santería, que foi popularizada no país pelos cubanos.

Meridith Kohut/The New York Times
Peregrinos chegam diariamente a Isnotú, na Venezuela, para homenagear José Gregorio Hernández, conhecido como 'o médico dos pobres
Peregrinos chegam diariamente a Isnotú, na Venezuela, para homenagear José Gregorio Hernández, conhecido como 'o médico dos pobres'

Hoje, a imagem de Hernández é onipresente na Venezuela, talvez ainda mais do que as fotos de Hugo Chávez, o presidente morto no ano passado.

"José Gregorio é essencialmente venezuelano", disse Laura Zambrano, que ajuda a coordenar o processo de santidade liderado pela arquidiocese de Caracas. "Ele levou todas as nossas virtudes a um extremo, ao extremo da perfeição."

Em 1986, o papa João Paulo 2° classificou Hernández como "venerável", um passo necessário para a canonização. Para a próxima etapa, conhecida como beatificação, a igreja precisaria mostrar que Hernández fez um milagre. Uma vez feito isso, a prova de um segundo milagre poderia qualificá-lo para ser canonizado, ou declarado santo.

Por duas vezes, em 1986 e em 2009, a igreja venezuelana documentou o que acreditava serem milagres de cura atribuídos a Hernández. As provas foram enviadas a Roma para serem aprovadas por uma comissão de peritos designada para avaliar esses casos, mas as duas tentativas foram rejeitadas.

Agora, com a aproximação do 150° aniversário de nascimento de Hernández, a igreja local começou uma campanha para identificar milagres necessários para conduzi-lo à santidade. Foram distribuídos milhares de santinhos incentivando os fiéis a rezar pela canonização do médico e pedindo para que enviassem relatos de milagres. Este ano, o departamento encarregado do pedido de canonização de Hernández recebeu mais de 800 depoimentos relatando possíveis milagres.

Melvin Andrade, que fez recentemente o trajeto de nove horas entre Caracas e Isnotú, rezou silenciosamente diante de uma estátua de mármore de Hernández em tamanho natural. Andrade disse que havia pedido a ajuda do médico durante uma série de longas cirurgias após um acidente de motocicleta em janeiro.

"A operação na medula que eu fiz poderia ter me deixado inválido, e saí dela em perfeito estado", disse. Sua namorada, Marvella Rivas, 46, não teve dúvidas sobre a condição do médico. "Para mim, ele é um santo, embora não tenha sido beatificado, o que é algo que não consigo entender", disse.


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