Folha de S. Paulo


Barragem na Etiópia traz consigo esperança e preocupação

Em uma distante área cercada de florestas no noroeste da Etiópia, a poeira nunca baixa. A semana inteira, dia e noite, milhares de trabalhadores pulverizam rochas e despejam concreto ao longo de um importante tributário do rio Nilo.

É o local da Grande Barragem Renascença da Etiópia, a maior usina hidrelétrica do país e um dos mais ambiciosos projetos de infraestrutura já realizados na África.

A Etiópia é um país pobre, mas segundo as autoridades a barragem será paga sem ajuda estrangeira -uma questão de orgulho nacional.

"Contamos com a generosidade do resto do mundo", disse Zadig Abrha, vice-diretor do escritório de mobilização pública da barragem.

Jacey Fortin/The New York Times
Operários escavam rochas no local da Grande Barragem Renascença, no noroeste da Etiópia
Operários escavam rochas no local da Grande Barragem Renascença, no noroeste da Etiópia

"Por isso existe convicção por parte do público para mudar isso, para recuperar nossa grandeza perdida, nos divorciarmos da situação de pobreza. E a primeira coisa que precisamos fazer é utilizar nossos recursos naturais."

A Etiópia, uma das economias de mais rápido crescimento do mundo, despejou seus recursos em uma série de megaprojetos nos últimos anos, que incluem barragens, fábricas, estradas e ferrovias por todo o país.

Mas sua abordagem conduzida pelo Estado foi criticada por deslocar comunidades, expulsar investidores privados e semear a discórdia.

A barragem Renascença chegou a provocar uma batalha diplomática com o Egito, que levou a ameaças de guerra.

A escassez de energia sufoca o crescimento da Etiópia, o segundo país mais populoso da África. A usina deverá triplicar a geração de eletricidade. Além de um empréstimo de US$ 1 bilhão da China para uma linha de transmissão, o governo projeta um custo de US$ 4 bilhões para a barragem, com mais de US$ 1,3 bilhão já gastos.

Perto da fronteira com o Sudão, a represa avança lentamente em direção ao céu enquanto 8.500 trabalhadores aplicam camadas e camadas de concreto para criar um reservatório que ocupará quase 1.700 quilômetros quadrados quando estiver pronto.

A barragem Renascença fica no Nilo Azul, que contribui com a maior parte da água do rio Nilo. Temores de conflito armado surgiram durante o breve mandato do ex-presidente egípcio Mohamed Mursi, que disse que "sangue egípcio" substituiria cada gota de água perdida.

Mas sob o atual presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, o relacionamento entre os dois países começou a se aquecer.

O novo ministro das Relações Exteriores egípcio, Sameh Shoukry, adotou um tom diplomático durante uma visita no mês passado à capital etíope, Adis Abeba, declarando "uma nova fase em nosso relacionamento, baseada na compreensão mútua, no respeito mútuo e no reconhecimento de que o Nilo nos une".

A barragem diminuirá temporariamente o fluxo do rio para o Egito e o Sudão.

Dois estudos sobre os efeitos na vazante serão realizados nos próximos seis meses.

"Por ser um volume tão grande de armazenamento, para aliviar os impactos rio abaixo a represa terá de ser preenchida durante um período de vários anos", disse Matthew McCartney, do Instituto Internacional de Gestão Hídrica.

O maior obstáculo da Etiópia para terminar a barragem é o dinheiro. O plano de vender a energia excedente para os países vizinhos poderá trazer cerca de US$ 1 bilhão em receitas de exportação anuais a partir de 2021, quatro anos depois do prazo previsto para o término da represa.

Mais de US$ 357 milhões gastos até agora vieram dos etíopes. Trabalhadores do governo que ganham pouco mais de US$ 30 por mês foram obrigados a comprar títulos no valor de um salário mensal por ano.
O governo também realiza reuniões para incentivar trabalhadores do setor privado a comprar títulos.

A Etiópia está desesperada para incentivar a manufatura, que considera crítica. Apesar das afirmações oficiais de que a economia cresceu 10,9% ao ano na última década, um terço da população vive com menos de US$ 1,25 por dia.

E o primeiro impacto da barragem para os pobres será perturbador. O diretor do projeto, Semegnew Bekele, disse que ela vai deslocar cerca de 3.700 famílias.

Segundo especialistas, o efeito ambiental total da barragem poderá ser positivo. Segundo o doutor McCartney, ela poderá ser usada para regular o fluxo do Nilo Azul, aumentando-o nos períodos de seca.
Para muitos etíopes, a barragem é um depoimento das capacidades de seu país.

"É esperança", disse Wossene Hailu, proprietário de uma fábrica de roupas. "Quando vejo a barragem na TV, digo 'Ah, muito em breve chegaremos lá!' É a sensação que eu tenho."


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