Uma reunião de bispos católicos do mundo todo divulgou nesta segunda (13) documento que defende uma atitude de aceitação em relação aos fiéis gays e aos que vivem em famílias que não seguem as orientações da Igreja Católica, como divorciados, casados apenas no civil ou em uniões não formais.
O documento preliminar, produzido pelos cerca de 200 religiosos que participam da Assembleia-Geral Extraordinária do Sínodo (encontro de bispos, espécie de "parlamento" do catolicismo), não prevê mudanças na doutrina.
Entretanto, o texto surpreende ao afirmar que "as pessoas homossexuais têm dons e qualidades que podem oferecer à comunidade cristã" e que é preciso acolhê-las "aceitando e valorizando sua orientação sexual".
Embora o documento reitere que "as uniões entre pessoas do mesmo sexo não podem ser equiparadas ao matrimônio entre homem e mulher", há ainda o reconhecimento de que essas uniões incluem "casos nos quais o mútuo sustento, chegando até ao sacrifício, constitui um apoio precioso para a vida de cada um dos parceiros".
O texto dá a entender que filhos de casais gays não devem sofrer discriminação caso frequentem paróquias.
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O papa Francisco já havia acenado com mais compreensão aos homossexuais. No ano passado, afirmou que, "se uma pessoa é gay e busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?".
A situação dos católicos homossexuais é só o tópico mais polêmico da lista de desafios da assembleia do sínodo, cujo tema é a situação das famílias no mundo moderno.
Convocado em 2013 por Francisco, o encontro foi marcado pelo envolvimento dos fiéis desde a preparação, já que foi determinado aos bispos de cada local ouvir diretamente seu rebanho sobre os temas mais espinhosos.
DIVÓRCIO
Designado pela expressão latina "relatio post disceptationem" (algo como "relatório após discussões"), o documento ainda é um rascunho. Ao longo desta semana, os bispos vão se reunir em grupos menores para trabalhar numa versão final.
Esse caráter inacabado do debate fica evidente nos parágrafos sobre outro tema que agitou o período anterior à assembleia, o dos católicos divorciados em segunda união que desejam voltar a participar do sacramento da Eucaristia, ou comunhão (hoje, são proibidos de comungar).
Sobre esse ponto, o documento expõe um desacordo. Alguns bispos desejam manter tudo como está; outros defendem que, após um período de penitência, os fiéis divorciados voltem a participar da Eucaristia. Isso poderia ser decidido caso a caso, com a ajuda dos bispos da região onde vivem os casais.
Um aparente consenso seria desburocratizar os processos de anulação de casamentos (que decidem que o matrimônio nunca foi válido), também dando mais responsabilidade aos bispos.
Segundo a "relatio", casamentos só no civil ou mesmo uniões estáveis não formais devem ser valorizados pela igreja por possuírem ao menos alguns "elementos" da santidade que o catolicismo atribui ao matrimônio.
Apesar de não haver vislumbre de mudanças doutrinárias, "a questão do tom é muito importante", diz Rodrigo Coppe Caldeira, professor do mestrado em ciências da religião da PUC de Minas. "Na verdade, muitas dessas perspectivas já existem de fato. Mas, com um documento como esse, elas ficam institucionalizadas. Os padres mais fechados, de alguma forma, ficam desautorizados."
COMEÇO DO CAMINHO
Ainda é cedo, no entanto, para que a linha de pensamento da "relatio" passe a guiar as práticas pastorais católicas. Além das discussões desta semana entre os bispos, que culminarão com a votação em plenário e aprovação do documento final neste sábado (18), ainda será preciso aguardar a assembleia do sínodo que acontece em 2015.
Só a partir dessa nova reunião é que as recomendações sinodais terão sua forma definitiva. E, depois disso, o papa terá liberdade para decidir como –e se– colocará em prática as decisões saídas do sínodo.