Folha de S. Paulo


Renda em alta deve reeleger Evo Morales como presidente na Bolívia

O cenário de casas de cor ocre que tradicionalmente cobriam El Alto, na região metropolitana de La Paz, agora não é mais tão uniforme.

Aqui e ali pipocam, coloridas e brilhantes, extravagantes construções de três a sete andares, chamadas de "cholets", construídas por indígenas cuja renda melhorou nos últimos anos, graças às políticas assistencialistas e de inserção social de Evo Morales.

Favorito nas eleições de domingo (12) com 57% das intenções de voto, Morales, 54, apoia sua campanha na redução da pobreza, de 38% para 18% (desde 2006), no bom crescimento do país nos últimos anos (média de 6%) e no discurso de transformação da Bolívia "de Estado colonial a Estado plurinacional".

Após a nacionalização do petróleo e do gás, em 2006, o governo passou a ter mais recursos para projetos sociais.

Ao mesmo tempo, Morales conquistou o empresariado da região mais rica do país, a chamada "Meia Lua" [departamentos de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija], oferecendo obras de infraestrutura.

"Já não há mais 'Meia Lua', agora é Lua inteira", disse Morales em entrevista à Folha na quinta (10). A região, que cogitou se separar do país, agora deve dar mais de 51% dos votos ao presidente.

Se as pesquisas se confirmarem, o primeiro mandatário indígena da Bolívia, no poder desde 2006, chegará a seu terceiro mandato, embora a atual Constituição permita apenas dois períodos.

Porém, a Corte Suprema do país considerou que ele poderia se candidatar mais uma vez porque seu primeiro mandato começou antes da aprovação da carta, em 2009.

OPOSIÇÃO FRAGMENTADA

O segundo colocado é o empresário Samuel Doria Medina, com 17,9% das intenções de voto. Apesar de fragmentada, a oposição enfatizou os problemas de gestão e a situação do Judiciário.

Nas periferias das grandes cidades, casos de linchamento apoiam-se na integração da Justiça comum à "justiça comunitária", que aceita a aplicação de penas indígenas, como os castigos físicos.

Outro ponto negativo é o enfraquecimento da imprensa opositora, com a distribuição restritiva de verba oficial.

"Os jornais independentes têm os mesmos problemas do jornalismo lá fora. A diferença é que o governo escolhe a quem ajudar", diz o editor de política do "El Deber", Pablo Ortiz, um dos poucos jornais independentes bolivianos.

Já para Fernando Ortuño, cientista político da Universidade de Cochabamba, o avanço sobre a mídia não é "como o de Hugo Chávez, feito a partir de expropriações e estatizações. Aqui a coisa se dá com a expansão do Estado, que compra ações, está nas diretorias, logo faz parte das decisões editoriais".

Apesar da redução da área das plantações de coca (32 mil hectares a 23 mil), o narcotráfico continua sendo um problema importante.

Segundo a ONU, mais de 90% da produção é usada na fabricação de cocaína. Para o governo, porém, o mercado legal de coca está crescendo.

Morales admite dificuldades no controle do corredor do tráfico entre Peru, Bolívia e Brasil, no meio da selva.

Por fim, ativistas de direitos humanos chamam a atenção para o aumento do número de feminicídios no país –o mais alto da América Latina. Segundo a ONU Mulheres, uma mulher é assassinada a cada três dias na Bolívia.

O aborto e o casamento homossexual, já discutidos no Congresso em outras gestões, sumiram desta. "A Bolívia está muito dividida com relação a essas questões. Creio que isso levará muito tempo", disse Morales à Folha.

Além da reeleição de Morales, as pesquisas indicam que seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo), pode obter também mais de dois terços do Congresso (Senado e Câmara de Deputados).

Para analistas, outra razão do sucesso de Morales é a intensa campanha. O presidente acorda às 4h30, fica no palácio das 5h às 8h, e depois viaja. Visita até quatro departamentos em um dia.

"É uma campanha constante, não só na eleição. Com isso, reduziu muito a sua vida pessoal, tem poucos amigos, é um comportamento meio paranóico", diz Ortiz.
Morales nunca se casou, mas tem dois filhos, de mulheres diferentes. Há lendas sobre o número de namoradas em diversas regiões.

No filme "Cocalero" (2005), contava-se a história de que tinha várias, e que todas tinham de estar disponíveis, senão ele chamava outras.

Algumas de suas histórias estão em "Um Tal Evo", biografia não autorizada de Darwin Pinto e Roberto Navia Gabriel. Às especulações, Morales apenas diz que está "casado com a Bolívia".

Editoria de Arte/Folhapress

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