Folha de S. Paulo


Evo Morales diz que baixo crescimento previsto para o Brasil é preocupante

Favorito para vencer as eleições do próximo domingo com 57% dos votos, o presidente boliviano Evo Morales, 54, diz que está preocupado com a perspectiva de baixo crescimento do Brasil e da Argentina.

O país andino, que deve crescer 5% neste ano, tem nos dois parceiros seus principais compradores de gás natural.

Afirmou que acredita na integração para resolver os problemas conjuntamente, mas lembra que a Bolívia tem buscado também outros compradores na região.

Leia os principais trechos da entrevista à Folha, no palácio de governo boliviano, em La Paz.

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Folha - Por que o sr. quer ser presidente da Bolívia pela terceira vez? O que falta fazer?

Evo Morales - A principal meta é seguir reduzindo a pobreza. Nós já a reduzimos de 38% [em 2005] para 18%. Só na última gestão foram oito pontos. Mas eu considero esses dados conservadores. Creio que baixamos mais. Nossa ideia é que chegaremos ao ano 2020/25 com praticamente quase nada. A estrutura da pobreza está erradicada.

A Bolívia deve crescer 5% neste ano, segundo projeções do FMI. Como vê isso?

Se o FMI fala que algo está bem, devemos nos preocupar. Creio que o FMI prejudicou toda a América Latina. Suas receitas nunca serviram. Sem receitas do Fundo, estaríamos melhor economicamente. Nós trabalhamos com a ideia de que vamos crescer mais do que isso, em torno de 6%. No ano passado, crescemos 6,8%. Nos próximos meses vamos fazer bons investimentos, que vão render ainda mais crescimento.

No Brasil, há admiração com relação a esse resultado. O sr. se preocupa com o provável baixo crescimento do país vizinho?

Sim, me preocupo. O Brasil é um país tão importante, que sinto que temos de debater nossos temas econômicos conjuntamente. Não somente avaliando ano a ano o nosso crescimento. Tenho muita confiança na companheira presidente do Brasil. Assim como tinha muita confiança com o companheiro Lula, e tenho com a companheira Cristina [Kirchner, da Argentina], com [Rafael] Corrêa [Equador], com o Uruguai e a Venezuela. Com Néstor Kirchner (1950-2010) tinha muitas coincidências ideológicas e programáticas.
Nossas equipes técnicas deveriam se reunir permanentemente, para discutir avaliação e resultados, e identificar cedo qual país tem problemas naquele ano e como, juntos, podemos nos ajudar. Não podemos cada um ter o seu mundo. Eu creio muito na integração sul-americana. Respeito, cumprimento e admiro a liderança do Brasil e da Argentina em seu desenvolvimento industrial, mas não por isso podemos estar isolados.

A Bolívia tem alguma estratégia para lidar com o fato de que os principais compradores de gás natural do país, Brasil e Argentina, devem crescer muito pouco neste ano?

Sim, por isso mesmo temos de debater esse tema. Ainda que já vendamos para outros mercados, estamos ampliando o mercado comprador de nosso gás natural a Uruguai, Paraguai, Peru. Antes só vendíamos a Brasil e Argentina.

Numa entrevista à TV boliviana no último domingo, o sr. reclamou que Dilma Rousseff nunca tinha vindo à Bolívia durante seu mandato. É alguma mensagem?

Não. Cada presidente tem sua forma e estilo de visitas. Sim, o presidente Lula esteve em várias oportunidades, inclusive num momento muito difícil para mim, antes da aprovação da nova Constituição [2009].
Até 2009, eu vivi um momento muito difícil, ele foi muito solidário. Me fortaleceu muito. Mas com Dilma me dou bem desde nossa primeira reunião, logo depois que ela assumiu. Ela me disse: "tomara que eu possa ser um amigo e aliado como o Lula". Nunca houve desconfiança, há muito respeito. A qualquer momento nos reunimos, fizemos muitas bilaterais, na África, no Suriname. Sempre aproveitamos para nos reunir e conversar.

O sr. fala com nostalgia dos tempos de sua eleição e da relação com Lula, Néstor, Chávez. Sente falta?

Não tenho por que desconhecer o acompanhamento de Lula, de Kirchner, de Hugo Chávez em meu caminho. Foram os que ajudaram a Bolívia a deixar de ser um Estado colonial para ser um Estado plurinacional.
Isso enfrentando muita convulsão. Nessa época, os meios de comunicação aumentaram os problemas, como se o mundo estivesse caindo. Eles me ajudaram, tenho muitas boas lembranças.

A eleição brasileira ficou um pouco mais complexa, com Dilma vencendo o primeiro turno com uma diferença muito menor que se esperava o candidato do PSDB, Aécio Neves. Como viu o resultado?

Eu estava muito preocupado com os resultados no Brasil. Me surpreendeu. Para mim, o ganhador desde o início era Dilma. Antes havia parecido que ela poderia perder para Marina Silva. Eu fiquei muito preocupado, por ela e pelo Partido dos Trabalhadores. Desse modo, acho que a diferença é um triunfo, não me parece de jeito nenhum que seja uma derrota. Mas sinto que no Brasil sempre houve um segundo turno. Nas duas eleições, Lula nunca ganhou no primeiro turno, sempre no segundo. Então cada país tem sua própria particularidade.
Sou otimista de que Dilma vai ser ratificada porque representa o sentimento dos trabalhadores, que momentaneamente podem ficar dispersos numa votação, mas prevalecerá a unidade.

O que o sr. acha da declaração de seu opositor, Aécio Neves, de que poderia rever as relações com a Colômbia e a Bolívia para conter o narcotráfico?

A Bolívia avançou muito no tema do narcotráfico. Temos nosso próprio modelo de luta, que é muito elogiado fora, inclusive pelas Nações Unidas. Em 2005, tínhamos 32 mil hectares de coca, agora temos 23 mil. Estimamos que, para o consumo legal, são 18/20 mil. Há um mercado crescente para a folha de coca legal, não estamos falando só de cocaína. Qual é a debilidade da Bolívia? O trânsito do Peru até o Brasil, e por isso precisamos trabalhar mais na questão das fronteiras. E estamos trabalhando bem com a presidente Dilma e com Ollanta Humala [Peru].

O sr. vai tentar um quarto mandato?

Vou respeitar a Constituição [que o impede]. Estou muito feliz porque vou ser ratificado. Na Bolívia, não é difícil ganhar se você trabalha e tem compromisso.
Entendi que tenho um privilégio, porque vim dessas famílias muito abandonadas e que em alguns momentos estiveram até orientadas ao extermínio. Cheguei aqui. A Bolívia é minha família. Minha vida. Penso, o que vou fazer depois?

E o que será?

Vou voltar à minha terra, o Chapare, montar um restaurante, há companheiros da política que querem ser meus sócios. Eles serão cozinheiros, eu, garçom. Depois, vou arrumar minhas plantações. Trabalhar de manhã, depois uma boa comida e à tarde relaxar. Está bom, não?


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