Folha de S. Paulo


Segurança de prostíbulo na Austrália vira militante do Estado Islâmico

Em Kings Cross, o bairro da prostituição de Sydney, Mohammad Ali Baryalei, 33, foi um leão-de-chácara da boate Love Machine. Seu mundo era o das prostitutas, das drogas, do jogo.

Mas, há alguns anos, aderiu ao islamismo radical e viajou para a Síria, onde reemergiu como tenente do Estado Islâmico. Em setembro, foi gravado um telefonema em que orientava um australiano a realizar o que a polícia descreveu como um "assassinato de demonstração" de uma pessoa aleatória.

O telefonema de Baryalei é um dos poucos casos conhecidos em que o Estado Islâmico (EI) buscava realizar um ato terrorista fora do Oriente Médio. Ele desencadeou a maior operação contra o terrorismo na história da Austrália, que terminou com a prisão de um rapaz de 22 anos em Sydney.

O premiê Tony Abbott disse que isso mostrou que "uma faca, um iPhone e uma vítima" eram os únicos ingredientes necessários para um atentado terrorista.

Dias depois, um rapaz de 18 anos esfaqueou dois agentes antiterrorismo nas imediações de Melbourne, sendo morto por uma das vítimas. A polícia descreveu o jovem como um "conhecido suspeito de terrorismo", que já havia sido visto com uma bandeira do Estado Islâmico em um shopping.

Os dois casos causaram indignação pelo aparente status da Austrália como uma das principais origens de combatentes na Síria, em outras partes do Oriente Médio e na Europa. Há informações de que 12 australianos foram mortos em combate na Síria.

Os casos também provocaram preocupações na Austrália e no Ocidente por revelarem a capacidade do Estado Islâmico de enviar combatentes estrangeiros de volta a seus países para cometerem ataques terroristas.

Autoridades da área de inteligência dizem que cerca de 70 australianos estão lutando como membros do Estado Islâmico, basicamente rapazes muçulmanos descontentes, vindos de famílias de imigrantes. Mas a maior preocupação da Austrália não é com os que estão no campo de batalha.

O governo diz que também cancelou passaportes de mais de cem australianos para impedi-los de viajar -por receio de que tenham sido recrutados pelos militantes- e pôs cerca de outros 150 residentes sob vigilância. Alguns deles são ex-combatentes que retornaram da Síria nos últimos meses.

Os números são significativos, considerando a população relativamente pequena da Austrália, de 23 milhões. Alguns dos recrutados são filhos de refugiados da guerra civil libanesa nos anos 1970 que se estabeleceram no país.

Muitos vêm de famílias que ergueram negócios bem-sucedidos e moram em espaçosas casas em bairros predominantemente muçulmanos na zona oeste de Sydney. Desde 2001, a população islâmica do país aumentou quase 70%, chegando a 500 mil pessoas.

Mas a maioria mora em bairros com poucos não islâmicos. Um líder comunitário muçulmano, Jamal Rifi, disse que a sensação de isolamento em relação ao resto da Austrália permeia muitos bairros, apesar do sucesso econômico.

"Os muçulmanos se sentem mais expostos por causa da concentração de islâmicos em pequenas comunidades", disse ele.

A preocupação da população sobre os vínculos do Estado Islâmico com a Austrália se ampliou depois que foram divulgadas fotos de um homem e um menino de sete anos na Síria, ambos australianos, e cada um deles segurando uma cabeça decepada.

Mas é o caso de Baryalei, 33, que atraiu mais atenção. Autoridades o descrevem como o mais graduado australiano no Estado Islâmico. O avô dele era poeta e primo em segundo grau de Zahir Shah, o último rei do Afeganistão, segundo a emissora australiana ABC.

A família fugiu para a Austrália em 1981, durante a invasão soviética no Afeganistão, meses depois do nascimento de Baryalei.

O garoto tinha uma relação conturbada com o pai, sofreu depressão e ia muito mal na escola. Foi parar em Kings Cross, mas a certa altura, depois de 2009, aderiu a um grupo islâmico que pregava perto de universidades e shoppings.

O contato inicial de Baryalei com os militantes parece ter sido Hamdi al-Qudsi, 40, morador de Sydney preso em dezembro acusado de recrutar e ajudar sete australianos a viajarem para a Síria.

De acordo com documentos da Justiça, Baryalei viajou para a Síria em abril de 2013 e depois manteve contatos regulares com Qudsi. A polícia disse que Baryalei agia como representante de Qudsi na fronteira entre Turquia e Síria.

O telefonema de Baryalei levou as autoridades a fazerem buscas em mais de 12 casas de Sydney. Abbott apresentou um projeto para dar mais poderes de vigilância e detenção às autoridades. Para Rifi, esta medida governamental pode levar ao aumento da radicalização.

Tradução de RODRIGO LEITE


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