Folha de S. Paulo


Faixa de Gaza ainda aguarda pela reconstrução

A arquitetura da faixa de Gaza, neste pós-guerra, é marcada por uma estética da destruição.

Seu traço marcante são as fachadas salpicadas pelos estilhaços de bombas, com a textura esburacada e empoeirada. Prédios demolidos, minaretes tombados e crateras marcam a linha urbana.

A Folha voltou ao território palestino um mês depois do fim da operação militar israelense Margem Protetora para constatar que, passado o tempo ali, Gaza ainda não começou a se reconstruir.

Omar Suidan, 32, estima que vai precisar de R$ 250 mil para reerguer sua casa e sua loja -transformados em pilhas de destroços. Mas, ainda que tivesse o dinheiro, precisaria do material para construir. Sacos de cimento são raros ali, e seu preço passou de R$ 15 a R$ 75.

Enquanto espera uma resolução, quer seja por ajuda internacional ou apoio do governo palestino, Suidan passa o dia na rua diante do mercado que improvisou, na terra. "Ninguém compra. Mas não quero ir embora, meus clientes estão aqui."

O economista Omar Shaaban, do centro de estudos de Gaza Pal Think, estima que a reconstrução vá tomar R$ 10 bilhões. O PIB de Gaza, em 2011, não chegava a R$ 6 bilhões. Assim, o território aguarda a reunião de doadores prevista para outubro, de onde deverá vir a verba.

A Autoridade Nacional Palestina estima que 10,8 mil edifícios foram destruídos, e 46 mil casas, danificadas.

Também será preciso que Israel coordene com a ONU a entrada de material de construção. Foi anunciado um acordo, mas sem detalhes.

As Nações Unidas devem controlar o cimento para não ser usado na construção de túneis destinados ao contrabando ou ao ingresso ilegal no território israelense.

"Há aqui um ciclo de destruição e reconstrução. Khalas!", diz Shaaban, usando o termo tradicional de Gaza para "chega!".

"Temos de olhar a raiz do problema, que é o bloqueio israelense, e parar de desperdiçar o dinheiro dos doadores externos", afirma. "O efeito é a radicalização. Gaza era liberal há dez anos. Estamos indo para trás."

REFÚGIO

Muhammad Sawaf, 19, dorme hoje na varanda do que era sua casa no bairro de Shujaya, na fronteira leste, um dos mais afetados pela guerra. Os andares de cima, na construção rachada, já não lhe parecem seguros.

A casa de Sawaf, onde moravam cinco famílias, foi danificada no início da operação militar. Os moradores se refugiaram no centro da faixa de Gaza, mas voltaram há duas semanas. "Não podemos continuar morando em escolas", afirma o jovem.

Para muitos, porém, não se trata de escolha. Muhammad Shinberi, 52, vive em uma escola em Beit Hanun, no norte de Gaza, desde o cessar-fogo. A casa onde vivia com seus cinco filhos e as respectivas famílias ruiu.

"A cada quatro ou cinco dias a ONU nos entrega uma lata de carne, um pouco de humus. Água, pão. Não é o suficiente para todos", diz.

"Se nós não vivermos em paz e não reconstruirmos as nossas casas, a guerra vai continuar", afirma Shinberi.

A refugiada Buthaina Abu Odea, 48, concorda. Ela se aproxima para dizer que "se nossos mísseis chegaram a Tel Aviv, também podemos reconstruir nossas casas".


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