Folha de S. Paulo


Análise: Separação da Escócia criaria inédito país desenvolvido já no 1º dia

A chance de a Escócia se separar do Reino Unido não levanta só debates pontuais comuns à criação de países, como a escolha de moeda ou governo, mas abre a possibilidade de um experimento nunca visto: a criação de um país desenvolvido já em seu primeiro dia de existência.

A criação de países como Timor Leste ou Sudão do Sul apresentou desafios enormes devido à condição miserável das populações e aos vestígios dos confrontos que levaram ao seu surgimento. E o surgimento de Estados como República Tcheca e Polônia não os transformou em países desenvolvidos no dia ou mesmo na década seguintes.

Em ambos os grupos, as expectativas de se tornarem sociedades desenvolvidas eram mais aspirações do que probabilidades a médio prazo. Quase sempre a simples manutenção da paz já era um ganho incomensurável.

A secessão escocesa, se de fato ocorrer, gerará questões que países geralmente não enfrentam ao nascer, mas depois de décadas ou séculos de contínuo desenvolvimento.

Como criar um serviço diplomático representativo de uma economia desenvolvida já no primeiro dia? Como manter Forças Armadas capazes de lidar com arsenal nuclear e tropas em territórios estrangeiros? Como manter padrões de seguridade social e educação acima mesmo da média do resto do Reino Unido? São expectativas realistas de uma nação que provavelmente nascerá com o oitavo maior PIB per capita do planeta.

O mais próximo que já houve de experimento similar (plebiscito em Québec, no Canadá, em 1995) não vingou: unionistas venceram no apagar das luzes por um ponto percentual.

Mas, mesmo que os unionistas escoceses vençam, o plebiscito cria duas dores de cabeça para governos no Reino Unido e alhures.

Internamente, promessas feitas pelos líderes dos três maiores partidos britânicos no afã de evitar a independência significarão aumento substantivo das despesas ao norte de Cornhill e gerarão pressão das outras três nações do reino por padrões semelhantes e questionamentos sobre subsídios à Escócia.

Externamente, crescerá a pressão de regiões separatistas contra governos centrais por plebiscitos semelhantes. A Catalunha, a contragosto de Madri, diz que fará plebiscito em novembro. O mesmo pode se dar em regiões com históricos secessionistas violentos, como País Basco, Irlanda do Norte e Tchetchênia.

GUSTAVO ROMANO é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e ciência política pela UFMG e responsável pelo site direito.folha.uol.com.br

Editoria de Arte/Folhapress
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