Folha de S. Paulo


Israel e Brasil precisam ter um diálogo mais respeitoso, diz embaixador

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O novo embaixador de Israel em Brasília, Reda Mansour, assumiu o posto no mês passado com a missão de desfazer o mal-estar criado pelas já célebres declarações de um porta-voz de seu governo de que o Brasil é irrelevante e um anão diplomático.

Otimista com a empreitada, ele aceita que houve exagero na frase do colega, mas também cobra do Brasil mais cuidado em suas manifestações.

Refere-se à nota do Itamaraty que irritou Israel ao condenar a ofensiva sobre Gaza sem citar os foguetes lançados pelo Hamas.

Membro da minúscula mas influente comunidade drusa, que reúne 1% da população israelense, ele é especialista em temas militares, uma tradição deste grupo étnico-religioso. A fé drusa mistura elementos do islamismo e de outras religiões.

Fluente em árabe e hebraico, é um poeta premiado, com quatro livros publicados.

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Folha - O sr. assume num momento de turbulência. Como superar essa situação?
Reda Mansour - Estou seguro de que vamos muito rapidamente retornar às relações normais entre Israel e Brasil. Sim, há problemas políticos, mas não é algo muito grave. O embaixador brasileiro já retornou a Israel, e eu cheguei como embaixador novo. Israel e Brasil têm relações muito especiais. Não só políticas, mas em outros temas.

Israel ficou decepcionado com a nota do Itamaraty?
Tivemos uma guerra muito dura em Gaza, contra um grupo extremo. Israel não está lutando contra palestinos, mas contra o Hamas. Sinto que o Brasil quer apoiar o povo palestino, mas estou seguro de que o Brasil não quer apoiar grupos radicais.

Existe um viés pró-palestino na diplomacia brasileira?
Creio que todos estamos a favor de um Estado palestino. Sobre isso, Israel não tem problema com o Brasil. O Brasil é um país muito importante e tem cultura de paz e de promover coisas de uma maneira diplomática. Por isso talvez aqui no Brasil pensem que pedir para o embaixador retornar, ou declarar algo, não é uma decisão diplomática extrema. Mas em Israel sentimos que quando estamos dentro de uma luta muito difícil, em que 2 milhões de israelenses vivem sob um perigoso ambiente em que foguetes estão chegando a todo momento, é preciso ter um pouco mais de cuidado com a atividade diplomática. Diplomatas precisam melhorar as relações, precisam ser muito sensíveis com palavras e declarações.

O sr. inclui nisso as declarações do porta-voz israelense?
As duas partes declararam coisas que não têm lugar na nossa relação. É preciso fazer um diálogo muito mais tranquilo, respeitar um ao outro.

Israel diz que tomou cuidados na guerra de Gaza, mas a ONU estima que 70% dos palestinos mortos foram civis, 23% crianças. Esses cuidados precisam melhorar?
Grande parte da ONU é política, afetada pelo fato de ter 22 países árabes e 56 muçulmanos, que promovem muitas vezes coisas contra Israel. A ONU no conflito Israel-árabes não é parte natural. O comitê de direitos humanos muitas vezes é liderado por Irã e Líbia. Não é sério.

Este número da ONU é falso?
Em Israel, cada vez que temos uma guerra, temos uma pesquisa muito séria do Exército. Não atacamos nenhum lugar sem uma consulta a especialistas de direito internacional. Mas há que se recordar que nosso inimigo não tem nenhuma sensibilidade por lei internacional, porque sabe que Israel é um país democrático, que tem muito cuidado. Operam todo o tempo de hospitais, escolas, bairros, porque sabem que Israel tem limites. Israel não pode atacar totalmente esses lugares.

A ONU diz que forneceu as coordenadas de escolas e hospitais que sofreram ataques.
Numa guerra às vezes não podemos saber exatamente qual a situação em uma escola ou uma mesquita. A liderança do Hamas passou toda a guerra debaixo de um hospital no centro de Gaza. Sabíamos disso, mas não atacamos esse hospital.

De 2000 a 2013, o fluxo comercial entre Brasil e Israel cresceu 260%, mas com os países da Liga Árabe o salto foi de quase 500%. É mais um indicativo de maior proximidade do Brasil com os árabes?
Estamos entre os 20 países mais desenvolvidos do mundo, mas nosso mercado é pequeno. O que Israel pode fazer com o Brasil é algo muito mais importante, como compartilhar alta tecnologia.

O Brasil exportou em 2013 para Israel US$ 450 milhões. É menos do que para o Irã (US$ 1,6 bilhão) e até do que para o Iêmen, um dos países mais pobres do mundo árabe (US$ 466 milhões). Por que uma cifra tão modesta?
É preciso cuidado com esse tipo de estatística. As relações econômicas são muito mais do que volume de exportação. Têm a ver com pesquisa, desenvolvimento. Não creio que o Iêmen possa desenvolver indústrias brasileiras.

Israel diz ser favorável a um Estado palestino, mas continua expropriando terras, como fez há alguns dias na região de Belém, com 400 hectares para construção de assentamentos. Isso não vai na direção oposta ao discurso?
Esse assunto tem muita importância histórica. Em 1948, a ONU dividiu a terra entre dois países, árabe e judeu. Israel aceitou esse propósito três, quatro, cinco vezes. Os palestinos, nunca. Esse assunto é usado muitas vezes em guerras de propaganda. Não quero propaganda, quero soluções de verdade.

Essa expropriação não foi propaganda, foi um fato, criticado até pelos EUA, aliado de Israel.
Israelenses querem a paz e querem conviver com os vizinhos. Se chegarmos a um acordo podemos mudar a fronteira, dar aos palestinos algum território alternativo.

O Estado Islâmico já é uma ameaça para Israel?
O Estado Islâmico é a pior notícia que saiu do Oriente Médio desde a Segunda Guerra. É um grupo dos mais radicais e cruéis, envolvido em genocídio sistemático de minorias. A comunidade internacional deve dar uma resposta muito forte.


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