Folha de S. Paulo


Radical de sangue brasileiro

Em janeiro de 2013, Brian de Mulder deitou-se ao lado da irmã e disse que a amava, mas que não podiam mais se ver. Nascido na Bélgica, filho de uma imigrante brasileira, o garoto voou a Istambul e, de lá, chegou à capital síria.

Hoje, Brian, 21, já não responde pelo nome belga. Ele é chamado, nas fileiras da milícia radical EI (Estado Islâmico), de Abu Qassem Brazili –Abu Qassem Brasileiro, em tradução do árabe.

A despeito do nome de guerra, Mulder não é conhecido no Brasil. Esse jovem, porém, é constantemente citado pela mídia belga, e sua biografia tornou-se um dos exemplos mais assustadores de um pesadelo europeu.

O grupo de inteligência Soufan estimava, no fim de maio, 12 mil estrangeiros entre os combatentes na Síria, 3.000 deles vindos do Ocidente. A Bélgica tem a maior proporção deles, em relação à sua população total (250 a cada 1 milhão de pessoas). O número deve ser maior, agora, após os avanços do EI.

Mulder teve criação católica e não tinha, até recentemente, nenhum vínculo com a causa dos militantes que lutam, na Síria, pela deposição do ditador Bashar al-Assad e pela criação de um Estado regido por uma rígida interpretação da lei islâmica.

Atlético, ele usava um crucifixo no pescoço, presente de sua mãe durante a infância, e ouvia as músicas de Roberto Carlos. Até que o jovem foi dispensado do time de futebol local pelo qual jogava.

A mãe, Ozana Rodrigues, nascida no Rio, narrou em entrevistas o caminho percorrido pelo filho, da depressão a uma mesquita na Antuérpia, aonde foi levado por amigos marroquinos.

Reprodução
Filho de brasileira, Brian de Mulder (à dir.) empunha arma ao lado de terrorista na Síria
Filho de brasileira, Brian de Mulder (à dir.) empunha arma ao lado de terrorista na Síria

Lá, Mulder conheceu Fuad Belkacem, porta-voz da organização salafista Sharia à Bélgica. Ele foi convertido a uma versão radical do islã, deixou o emprego e os estudos e passou a se vestir como muçulmano conservador.

À época, a família mudou-se para o interior, para evitar a radicalização do garoto. À rede britânica BBC sua tia, Ingrid de Mulder, afirmou que ele se tornara um robô. "Ele começou a dizer que podia fazer o que quisesse e que não tinha medo de morrer."

Quando o rapaz sumiu, há mais de um ano, a mãe, Ozana, procurou a imprensa e pediu à presidente Dilma Rousseff que lhe ajudasse a trazer o filho de volta para casa. Mulder não foi registrado no consulado do Brasil e, assim, ainda não tem nacionalidade brasileira.

De acordo com a rede BBC, o garoto escreveu aos parentes que "vocês não são mais a minha família" e que "meus irmãos muçulmanos são minha família".

"Se eu voltar a contatá-los, terão de estar de joelhos pedindo perdão e se converter ao islã. Não vou voltar."

GUERREIRO

O nome "Brazili" é citado, na mídia belga, como o de um dos terroristas mais renomados no Estado Islâmico. Em holandês, ele também é conhecido como o "Syriëstrijder", ou "guerreiro sírio".

Seu paradeiro é acompanhado por blogs locais especializados em jihadismo belga, como o Emmejihad, que em fevereiro passado divulgou uma imagem de Mulder ao lado de Hicham Chaib, um dos principais líderes do Sharia à Bélgica. Ambos estavam armados, sorrindo.

"Mulder foi por muito tempo ativo no Facebook sob o apelido Abu Qassem Brazili, mas há algumas semanas sua conta desapareceu. Não está claro se ele ainda se comunica com extremistas na Bélgica, mas, a julgar pela recepção de sua nova foto, sua popularidade só cresceu", escrevia o blog. Também por meio de fóruns jihadistas e de sites especializados é possível supor que ele tenha se casado na Síria com uma jovem militante belga.

A Folha conseguiu comunicar-se com familiares de Mulder, por telefone. Eles pediram discrição e declinaram o pedido de entrevista, afirmando que Mulder "já disse que quer ficar lá" e que não há nenhum recurso disponível para forçá-lo a voltar para a Bélgica.

Seu retorno, de todo modo, seria delicado. Governos europeus têm se preocupado diante da possibilidade de que seus cidadãos, após treinamento e militância na Síria e no Iraque, voltem e ameacem os próprios países.


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