Folha de S. Paulo


Protestos realçam divisão racial nos EUA

Os protestos pedindo justiça pela morte do adolescente negro Michael Brown, 18, assassinado com seis tiros pelo policial branco Darren Wilson, 28, estão tão "rachados" quanto a segregada comunidade entre brancos e negros.

Durante o dia, mesmo sob sol de 35ºC, famílias inteiras portam cartazes coloridos e levantam os braços aos gritos de "Não atire", pelas calçadas da avenida West Florissant, que corta a pequena Ferguson, de 21 mil habitantes, subúrbio de Saint Louis. Lojas e lanchonetes saqueadas voltaram a reabrir com chapas de madeira no lugar das vidraças destruídas.

À noite, porém, por nove dias consecutivos, as famílias somem e jovens, quase todos homens, e em sua maioria encapuzados, atacam policiais com coquetéis molotov, saqueiam e destroem o comércio local. Para ativistas negros, sua luta para exigir justiça e combater o racismo da polícia foi "sequestrada" por grupos violentos.

Com a violência, as caminhadas pacíficas encolheram à noite.

Os protestos atraíram manifestantes de todo o país e de todo o tipo. O empresário da internet Jack Dorsey, criador e presidente do Twitter, deixou San Francisco, onde mora, e se juntou a dois amigos para distribuir rosas a manifestantes e policiais. Caminhando anonimamente, disse à Folha que foi para lá "porque nasci em Saint Louis. Ser daqui é suficiente".

Diversos pastores evangélicos, alguns deles, celebridades no ativismo negro, como Jesse Jackson e Al Sharpton, lideraram caminhadas silenciosas. O reverendo Bill Freeman, da Igreja Unida de Cristo, de Michigan, dizia que a luta por justiça "era de todas as raças" e decidiu vir a Missouri "depois de ficar estarrecido com o que viu pela TV". "Não é uma luta apenas dos negros", disse o pastor, que é branco.

Centenas de policiais são vistos por todas as partes. Eles não permitem aos manifestantes se aglomerarem em um único lugar, obrigando os ativistas a circularem. A polícia criou uma "área designada" para protestos, que ficou vazia durante todo o dia.

A Guarda Nacional e seus blindados, porém, estão acampados no estacionamento de um shopping, sem circular.

A tensão pode aumentar devido à morte de outro jovem negro, baleado pela polícia em St. Louis.

Segundo os agentes, o homem ameaçou dois policiais com uma faca após ter saído de uma loja de conveniência.

IGREJAS DIVIDIDAS

No domingo, a divisão da cidade ficou mais evidente, horas antes de milhares tomarem as ruas no dia dos maiores protestos até agora. Na Igreja Presbiteriana de Southmynster, a 30 km de Ferguson, no subúrbio de maioria branca aonde mora o policial Darren Wilson, pastor e público rezavam pelo policial que mora na região.

"Ele pode ser atacado por manifestantes", disse o pastor. Um jovem que esteve no culto, Mark, 23 anos (que pediu para não dar o sobrenome), disse que "raça virou desculpa para destruir tudo" e que "parece que o policial agiu seguindo os procedimentos corretos". À Folha, ele ainda disse que "estão reclamando da falta de policiais negros na segurança local, mas parece que o que eles não gostam é de polícia".

O jovem, que trabalha com o pai em uma loja de ferramentas, disse que "muitos brancos não atravessam "certas autoestradas" à noite com medo da violência em alguns bairros.

A 30km dali, na Igreja Greater Saint Mark Family, em uma área contígua a Ferguson, o reverendo Tommy Pierson, que é deputado distrital na Assembleia Legislativa de Missouri, rezava pela alma de Michael Brown para um público quase 100% negro.

Discursaram ali o reverendo Sharpton, apresentador da rede de notícias MSNBC, que viajou de Chicago para Ferguson, e o procurador-geral do Estado, Chris Koster, que é branco. "Como membro da comunidade caucasiana e parte da comunidade que prega o cumprimento da lei, venho aqui dizer que o que aconteceu é doloroso para qualquer pessoa nesta cidade", falou do púlpito.

Sharpton disse no culto e em seu programa de TV que "Ferguson vive um momento decisivo para discutir como acontece seu policiamento".

Os relatos dos dois cultos dominicais fazem crer que continua vigente, mais de 50 anos depois, a declaração do pastor Martin Luther King, de 1963, de que "o domingo de manhã, quando os americanos vão à igreja, é a hora mais segregada da América"


Endereço da página: