Folha de S. Paulo


Mulher britânica é condenada por financiar grupo terrorista sírio

Elas pareciam improváveis como jihadistas. Amal El-Wahabi foi descrita por seu advogado como "desbocada e viciada em telefone e em fumar maconha"; Nawal Msaad, uma glamourosa universitária, teve de ser advertida pelo juiz sobre sua associação com um réu em outro tribunal.

Mas Wahabi, 27, moradora da região noroeste de Londres, se tornou o segundo cidadão britânico a ser condenado por delitos relacionados a terrorismo no conflito da Síria, depois de um julgamento de quatro semanas no tribunal criminal central de Old Bailey, em Londres.

Ela foi considerada culpada por organizar o contrabando de 20 mil euros, escondidos nas roupas de baixo de Msaad, para os rebeldes jihadistas da Síria.

Msaad, estudante de recursos humanos na Universidade Metropolitana de Londres, saiu livre do tribunal, considerada inocente de acusações de financiamento ao terrorismo.

As duas mulheres negaram desde o começo todas as acusações de terrorismo.

Msaad, de Holloway, no norte de Londres, chegou a gravar uma cover de uma canção de Jennifer Lopez, "Same Girl", em uma tentativa de afirmar sua inocência antes do julgamento. Wahabi chorou descontroladamente no banco dos réus quando os veredictos foram anunciados, dizendo que "não consigo respirar, não, não consigo respirar".

Ela foi conduzida à cela do tribunal depois que o juiz que presidiu ao julgamento, Nicholas Hilliard, a informou de que a pena de prisão seria "inevitável" quando de seu sentenciamento.

Os veredictos conduziram a um final dramático o primeiro julgamento criminal envolvendo britânicos acusados de financiar o terrorismo na Síria. Mas fontes confirmam que as duas acusadas não eram extremistas ou consideradas como ameaça à segurança nacional.

A tentativa de Wahabi de contrabandear dinheiro para os jihadistas na Síria foi impedida em janeiro, quando Msaad foi detida pela polícia no aeroporto de Heathrow tentando embarcar em um voo para Istambul.

Ela carregava cédulas de alto valor dentro de uma camisinha escondida em sua roupa de baixo, sob a promessa de que receberia mil euros como recompensa se contrabandeasse o dinheiro com sucesso para um intermediário na Turquia, "em circunstâncias de segredo e confiança mútua".

De Istambul, o dinheiro deveria ser encaminhado ao marido de Wahabi, Aine Davis, 30, que supostamente estava combatendo ao lado dos rebeldes jihadistas na Síria.

Embora as duas sejam as primeiras mulheres acusadas, é sabido que pelo menos 10 a 12 mulheres britânicas viajaram à Síria para apoiar os combatentes estrangeiros no país.

Nenhuma delas viajou para combater, e em lugar disso pretendiam desempenhar o papel de leais esposas e donas de casa para seus maridos, sob a firme estrutura islâmica imposta por grupos como o Estado Islâmico.

Outras jovens tentaram sem sucesso viajar à Síria, entre as quais duas adolescentes de West Yorkshire e Surrey, detidas depois que suas famílias alertaram a polícia quanto a suas atividades.

Nenhuma delas foi acusada judicialmente.

Wahabi, a mais velha dos quatro filhos de um motorista de ônibus londrino, se esforçou nos estudos, na escola secundária Holland Park, conseguindo aprovação nos exames de conclusão de curso e tomando parte em um programa de atividades ao ar livre criado pelo duque de Edimburgo, antes de estudar para qualificação em saúde e assistência social.

Foi seu relacionamento com Davis, antigo traficante de drogas tornado jihadista, que a expôs à atividade policial reforçada em torno de pessoas que se unem a grupos jihadistas como voluntários estrangeiros na Síria. Davis e Wahabi se conheceram quando ela tinha 19 anos, na mesquita perto da casa de Wahabi em Portobello Road.

Os pais dela nunca aprovaram o relacionamento porque tinham suspeitas quanto às origens do dinheiro abundante que Davis ostentava, sem ter emprego ou salário.

Davis havia sido condenado por posse de arma de fogo e posse de maconha, mas era suspeito de traficar drogas em escala mais ampla.

Ele seguiu um caminho conhecido dos agentes de combate ao terrorismo: um jovem que enfrentava dificuldades no Reino Unido, se envolveu de passagem no tráfico de drogas mas terminou cada vez mais atraído pelo extremismo.

Ele frequentava a mesquita de Brixton –onde foi precedido por Richard Reid, conhecido por uma tentativa de explodir um avião com um sapato-bomba, e Zacarias Moussaoui, um dos sequestradores de aviões nos ataques de 11 de setembro–, e em julho do ano passado estava a caminho da Síria para se unir aos grupos rebeldes que combatem no país.

Ele encarregou a mulher, Wahabi, de cuidar dos dois filhos pequenos do casal.

Ela vivia de assistência social até fazer um curso universitário, e quando detida informou à polícia tinha só 200 libras em sua conta bancária. Davis não ocultou suas crenças da mulher, deixando amplo material extremista que inclui discursos de religiosos radicais como Abu Hamza e Anwar al-Awlaki em um iPod, bem como vídeos mostrando Osama bin Laden e outros jihadistas famosos, na Somália.

Mas não existem provas de que sua mulher tenha demonstrado interesse pelo assunto.

De seu acampamento na Síria, ele enviou a Wahabi fotos posando com armas, e um vídeo do que ele alegava ser um menino de 10 a 13 anos armado com um fuzil de assalto Kalashnikov e lutando pela causa jihadista na Síria.

Em uma série de mensagens no WhatsApp, é perceptível que Davis estava manipulando Wahabi a fazer o que ele queria.

Ele a advertiu repetidamente de que se não viajasse à Síria para se unir a ele, Davis se casaria com uma segunda mulher. Quando ela expressou sua insatisfação –"por favor não se case com outra mulher. Não peço demais e amo você"–, ele respondeu com uma mensagem de um xeque contendo argumentos em defesa da poligamia.

"É bem sabido que as mulheres são ciumentas por natureza e relutam em compartilhar seus maridos com outras mulheres... o consentimento da primeira mulher não é pré-requisito para que um homem se case com uma segunda mulher", a mensagem dizia.

Em janeiro, depois de uma conversa telefônica de sete minutos com Davis, Wahabi enviou uma mensagem de texto à amiga Msaad perguntando se ela estava ocupada naquela semana e se queria um trabalho. Com isso e a oferta de mil euros em pagamento, Msaad - que conhecia Wahabi desde os tempos de escola em Holland Park - foi atraída à rede.

Msaad nasceu e se criou no norte de Londres; sua família tem origem no Marrocos. Como Wahabi, ela não é uma pessoa cujas atividades tenham causado preocupação à polícia e aos serviços de segurança até aceitar o pedido da amiga para fazer um serviço em seu nome.

Quando Msaad perguntou o que seria o trabalho, Wahabi respondeu que não havia como explicar por SMS. Um dia mais tarde, depois que Wahabi se comunicou com Davis, na Síria, e com Msaad por meio de uma série de telefonemas e mensagens de texto, o voo, e um hotel em Istambul, foi reservado para a noite seguinte.

A preocupação da polícia antiterrorismo não era de onde o dinheiro estava saindo, mas para onde iria.

Agindo com base em informações sigilosas, policiais detiveram Msaad quando ela estava por embarcar no voo para Istambul. De sua parte, Msaad parecia ignorar que suas atividades pudessem conduzir a uma acusação de colaboração com o terrorismo.

Ela declarou ao tribunal que havia perguntado em conversa telefônica com Davis se era legal levar aquela quantia.

Ela conta que ele respondeu de um modo muito reconfortante. "Ele disse que sim, que era permitido levar aquela quantia, e eu não tinha motivo para duvidar". Outros casos envolvendo suposto financiamento ao terrorismo na Síria se seguirão aos veredictos de ontem.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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